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O jogo bruto dos orçamentos

Enrolado, o governo tem de cuidar de dois orçamentos: um desfigurado, o deste ano, e outro em esboço, o de 2022

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Por Notas&Informações
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Enrolado numa confusão sem precedente, o governo tem de cuidar ao mesmo tempo de dois Orçamentos, um desfigurado, inutilizável e potencialmente letal, o deste ano, e outro ainda em esboço, o de 2022. Para cumprir tabela, o presidente Jair Bolsonaro acaba de enviar ao Congresso o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), com metas e prioridades para a programação financeira do próximo ano. A equipe econômica promete, com austeridade, reduzir para R$ 170,5 bilhões o déficit primário, isto é, o excesso da despesa sobre a receita, sem contar as obrigações da dívida pública. Para este ano está previsto um déficit primário de R$ 247,2 bilhões, mas ainda falta a sanção do presidente à lei orçamentária aprovada no Congresso Nacional.

Graças à inflação, haverá alguma folga para despesas de interesse do presidente Jair Bolsonaro, empenhado, como sempre esteve em quase todo seu mandato, na busca da reeleição. O teto de gastos terá uma elevação de R$ 106,1 bilhões, segundo a projeção da equipe econômica.

Pela regra constitucional, o teto será ajustado de acordo com a inflação acumulada nos 12 meses até junho deste ano. O projeto inclui uma alta de 7,1%, variação estimada para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Há, no entanto, quem estime variação maior, de até 7,5%, permitindo acréscimo de cerca de R$ 111 bilhões.

Não se pode acusar o governo de haver planejado esse efeito, tão desejável para um presidente candidato à reeleição. Mas também seria um erro interpretar esse fato como simples casualidade. A inflação é atribuível em parte a erros do governo e, de modo especial, a ações e palavras do presidente da República. O comportamento presidencial é a causa mais visível da instabilidade cambial e, portanto, dos efeitos inflacionários da alta da moeda americana. O real tem permanecido, desde o ano passado, entre as moedas mais desvalorizadas em relação ao dólar.

A insegurança quanto à evolução das contas de governo, e especialmente da dívida pública, tem sido um dos principais fatores de oscilação do câmbio. Mas a desastrosa política ambiental do presidente Jair Bolsonaro também tem afetado o movimento de capitais, afastando investidores e desestimulando a aplicação de recursos no mercado brasileiro. Alguns grandes fundos são simplesmente impossibilitados de investir em países onde as condições ambientais sejam tão maltratadas quanto têm sido no Brasil.

Pode parecer estranho, mas a política antiecológica também tem, no curto prazo, efeitos sobre o dólar e sobre a alta de preços. Inflação e câmbio são alguns dos parâmetros observados na elaboração do Orçamento e, portanto, da LDO. Quem pode estar seguro sobre esses pontos, quando se consideram as enormes incertezas criadas pela administração federal?

Além disso, é preciso levar em conta o relacionamento entre Poderes. Sem partido e forçado a negociar com parlamentares fisiológicos, o presidente da República tem sido incapaz de sustentar, diante do Congresso, políticas de austeridade fiscal e de atendimento ao interesse público. Esse interesse até pode ser levado em conta, quando isso favorece objetivos dos envolvidos nas decisões.

Mas também é possível servir a esses interesses por outros meios – por exemplo, desnaturando projetos do Executivo. Isso ocorreu, mais uma vez, quando parlamentares deformaram o projeto orçamentário deste ano, inflando suas emendas e subestimando gastos obrigatórios. Daí a oposição de técnicos do Ministério da Economia à sanção da lei recém-aprovada. Sancionar esse documento, advertiram, poderia caracterizar crime de responsabilidade, punível com impeachment.

Em condições mais saudáveis, o projeto da LDO seria um indicador, embora impreciso, do rumo da política fiscal e de suas implicações econômicas. Nas circunstâncias atuais, seu encaminhamento ao Congresso é apenas mais um lance de um jogo sujeito às ambições eleitorais do presidente, aos interesses de uma base fisiológica e às trapalhadas de uma equipe de governo frequentemente sem rumo.