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O mal das notícias fabricadas

Para metade dos norte-americanos, os problemas ocasionados pelas chamadas fake news são mais graves do que crimes violentos, as mudanças climáticas, o racismo, a imigração ilegal, o terrorismo e questões relativas a gênero

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Por Notas & Informações
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Pesquisa realizada pelo Pew Research Center revelou que, atualmente, uma das maiores inquietações dos norte-americanos são as notícias fabricadas. Após ouvir mais de 6 mil pessoas nos Estados Unidos acerca das questões que mais as afligem, o instituto de análise e pesquisa identificou que 50% dos entrevistados veem a fabricação de notícias como um problema mais preocupante do que os crimes violentos (49%), as mudanças climáticas (46%), o racismo (40%), a imigração ilegal (38%), o terrorismo (34%) e questões relativas a gênero (26%).

Para metade dos norte-americanos, os problemas ocasionados pelas chamadas fake news só não são mais graves do que o vício em drogas (70%), as condições de custeio dos planos de saúde (67%), as distorções do sistema político dos Estados Unidos (52%) e a desigualdade entre ricos e pobres (51%).

A pesquisa também mostrou que os norte-americanos percebem as notícias fabricadas como um importante fator de desagregação da sociedade, seja o desvirtuamento da relação entre esta e o Estado, seja da relação entre os cidadãos. Para 68% dos entrevistados pelo Pew Research Center, a fabricação de notícias tem grande impacto sobre a confiança que os norte-americanos têm em seu governo. Para 54%, ela também afeta a confiança entre as pessoas. E para 51%, as notícias falsas comprometem a habilidade de lideranças políticas lidarem com temas vitais para a sociedade. Embora tenha sido realizada com cidadãos norte-americanos, a pesquisa do Pew Research Center pode servir como base para reflexão em outros países além dos Estados Unidos, especialmente o Brasil. De acordo com pesquisa do Instituto Ipsos realizada no ano passado, os brasileiros são os que mais acreditam em notícias falsas (62%), uma posição de liderança global que não nos envaidece. A fabricação e difusão de informações falsas, até pouco tempo atrás, era um problema que afetava mais fortemente os países sob governos totalitários, que criam suas próprias versões dos fatos – quando não inventam “fatos” – e as difundem como verdade absoluta por meio de um forte aparato estatal de comunicação. Além de disseminar informações enviesadas por seus interesses, independentemente de sua veracidade, governos totalitários exercem forte controle sobre o que pode e o que não pode ser levado ao conhecimento dos cidadãos. O desenvolvimento tecnológico e a massificação do acesso à internet – em especial às redes sociais – representaram um estupendo avanço para a circulação de informações, elevando o grau de instrução dos povos, tanto do ponto de vista formal como institucional, em termos de educação cívica e controle do poder público. Mas, igualmente, impuseram o desafio permanente de separar verdades e mentiras como poucas vezes se viu na história da comunicação. Tão preocupante quanto a fabricação de notícias é a permissividade de alguns meios digitais para sua circulação. A maioria dos entrevistados pelo Pew Research Center atribuiu maior parcela de responsabilidade sobre a fabricação e circulação de notícias falsas às lideranças políticas (57%) e aos grupos de ativistas (53%). Já para 36%, essa responsabilidade é dos jornalistas. Sempre haverá um olhar crítico sobre a atividade jornalística e é bom que assim seja. A força do jornalismo profissional vem, entre outras razões, dessa disposição de estar sob permanente escrutínio do público ao qual serve. Este compromisso inarredável com a verdade factual, aliado aos deveres éticos e funcionais da profissão, confere aos jornalistas a responsabilidade, se não de eliminar, de reduzir substancialmente o alcance das notícias fabricadas e seus efeitos perniciosos sobre a vida social, econômica e política de uma nação. Os cidadãos em geral, por sua vez, também não estão isentos de responsabilidade pela saúde do debate público. Hoje, mais do que nunca, toma a forma de um dever cívico discernir sobre a qualidade das informações absorvidas e, sobretudo, compartilhadas.