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O marco do saneamento

Não faz sentido dar sobrevida a contratos que já se mostraram incapazes de prover serviço de qualidade

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Por Notas e Informações
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A Câmara aprovou o Projeto de Lei (PL) 4.162/19, que traz um novo marco legal para o saneamento básico no País. O texto, que agora será analisado pelo Senado, facilita os investimentos privados no setor, ao mesmo tempo que exige licitação para a contratação desses serviços. Apresentado pelo governo federal, o projeto aprovado pelos deputados é muito semelhante a outro texto que tramita no Congresso sobre o mesmo tema, o PL 3.261/2019, de autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). O projeto do Senado nasceu depois que a Medida Provisória (MP) 868/2018 perdeu sua vigência. Editada pelo presidente Michel Temer, a MP 868/2018 tinha por objetivo atrair investimentos privados para o setor. Antes dela, a MP 844/18 também havia disposto sobre o tema.

Como se vê, não faltam propostas legais para o saneamento básico. Diante da imperiosa necessidade de um novo marco jurídico para o setor, a existência de tantas iniciativas é algo positivo. No entanto, não basta haver projetos de lei. É preciso que um adequado marco legal seja aprovado – e isso até agora não ocorreu plenamente.

Merece também alerta o fato de os projetos de lei sobre saneamento básico, apesar das muitas semelhanças entre si, não serem idênticos. Em alguns, há pontos que podem dificultar o objetivo principal de universalização do serviço de saneamento básico. Por exemplo, a redação final do PL 4.162/2019 aprovada pelo plenário da Câmara permite que os contratos atuais e os que já venceram possam ser renovados por mais 30 anos, desde que o processo ocorra até março de 2022.

Se a principal pretensão do novo marco do saneamento básico é proporcionar um melhor patamar de estrutura de água e esgoto, não faz sentido dar tão longa sobrevida a contratos que já se mostraram incapazes de prover um serviço de qualidade para a população. Vale lembrar que muitos dos atuais contratos, em geral envolvendo municípios e companhias públicas de saneamento, foram assinados sem licitação prévia. Prorrogar, portanto, a duração dos atuais contratos por mais 30 anos é estender a vigência de um sistema reconhecidamente ineficiente. A nova lei deve vir para dar um novo futuro ao saneamento, não para perpetuar um passado desastroso.

Também não basta que o novo marco legal defina as metas de universalização de água e esgoto. É importante, por óbvio, que elas estejam fixadas. O PL 4.162/2019 prevê, por exemplo, que as empresas de saneamento terão de prover até 2033 o atendimento de água potável a 99% da população e o de coleta e tratamento de esgoto a 90%. De acordo com o texto proposto pelo relator, deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), a não inclusão da meta de universalização num contrato pode ser motivo para sua extinção. No entanto, mais do que simplesmente exigir metas, é preciso assegurar as condições para que elas sejam de fato cumpridas.

Em 2007, o Congresso aprovou a Lei 11.445/07, estabelecendo diretrizes nacionais para o saneamento básico. O objetivo era assegurar um novo patamar no País para o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, a limpeza urbana e o manejo de resíduos sólidos e a drenagem de águas pluviais urbanas. Na tentativa de coordenar esforços, o Congresso atribuiu à União a competência para elaborar um Plano Nacional de Saneamento Básico. Redigida em 2014, a versão atual definiu como metas a universalização do abastecimento de água até 2023 e o atendimento de 92% da população com rede de esgoto até 2033. Ou seja, as metas já existem. O que falta é um adequado marco jurídico, capaz de viabilizar investimentos privados no setor.

Outro ponto controvertido do PL 4.162/2019 refere-se ao alargamento dos prazos para a implantação dos aterros sanitários. Com isso, prorroga-se o fim dos lixões, verdadeira chaga ambiental e social de tantas cidades.

Sendo uma urgência do País, o novo marco do saneamento exige diligência e cuidado. São temas fundamentais para toda a população.