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O PIB do negacionismo

País paga uma conta maior na economia por erros do presidente diante da pandemia

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Por Notas & Informações
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Com recuo de 9,1%, a economia brasileira deve fechar o ano, mais uma vez, com desempenho muito pior que o da maioria dos grandes emergentes, segundo as novas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI). No Brasil, como em todo o mundo, o impacto da pandemia tem sido bem maior que o estimado em abril, quando saíram as estimativas anteriores. A contração projetada para o País, naquele momento, era de 5,3%, muito maior que a observada em crises anteriores. O aumento de casos de covid-19 foi fator importante para a piora da previsão, no caso brasileiro, disse a economista-chefe do Fundo, Gita Gopinath. Mas o Brasil, observou, tem os mesmos desafios de outros emergentes para lidar com o coronavírus.

Mas o contágio tem sido menor em outros países emergentes, incluídos alguns da América do Sul, e esse detalhe foi ignorado, talvez diplomaticamente, no comentário. Os casos teriam aumentado tanto, no Brasil, se o presidente levasse a sério a pandemia e contribuísse para a coordenação de políticas entre União, Estados e municípios?

Governantes negacionistas ou relapsos têm sido desastrosos, como comprovou, nos EUA, o comportamento do presidente Donald Trump, líder do brasileiro Jair Bolsonaro. Países do mundo rico onde a reação à pandemia se retardou devem fechar o ano com desempenhos piores que o do Brasil. Mas em boa parte da Europa as economias já estavam enfraquecidas. O atraso da resposta à doença foi um complicador a mais.

Sustentada pelo desempenho menos ruim de alguns grandes emergentes, como China e Indonésia, e de uns poucos desenvolvidos, como Alemanha e Coreia, a economia mundial deve contrair-se 4,9% em 2020 e crescer 5,4% em 2021. Nos cálculos de abril, previa-se contração de 3% neste ano e retomada de 5,8% no próximo. Para a média dos emergentes o resultado de 2020 passou de -1% na estimativa de abril para -3% na de junho.

A crise brasileira pode parecer menos grave que a de vários países da Europa, quando se comparam só as projeções para 2020. Mas a comparação, nesse caso, é enganadora. O produto interno da zona do euro cresceu 1,9% em 2018 e 1,3% em 2019. O PIB do Brasil avançou 1,3% e 1,1% nesses anos. Além disso, o Brasil mal havia começado a recuperar-se da recessão de 2015-2016, quando sua economia se contraiu cerca de 7,2%. Essa lenta recuperação pouco havia melhorado as condições do mercado de trabalho. No começo deste ano o desemprego no Brasil, superior a 11%, era o dobro da média da zona do euro.

É preciso chamar a atenção também para um ponto nem sempre lembrado. Países avançados, como os da Europa Ocidental, podem dar-se muito bem com taxas de crescimento inferiores às do mundo emergente e em desenvolvimento. No mundo rico, padrões elevados de tecnologia, de ciência, de educação, de produtividade e de condições de vida estão bem estabelecidos há muito tempo. Não se morre, nesses países, por falta de saneamento básico nem os desempregados afundam na pobreza.

O Brasil continua longe dessas condições, apesar dos avanços acumulados em muitas décadas, parcialmente perdidos no período petista e simplesmente interrompidos, ou revertidos, na fase bolsonarista. Se alguém duvidar disso, dê uma espiada no balanço da política educacional implantada em 2019 e consolidada na gestão catastrófica de Abraham Weintraub.

Com a pandemia, aumentaram consideravelmente os males debitados na conta do presidente Jair Bolsonaro. Ele dificultou tanto quanto pôde o enfrentamento da covid-19, chamando-a de gripezinha, contrariando as orientações dos epidemiologistas, estimulando comportamentos de risco e falhando na coordenação de políticas. Quando o Judiciário reconheceu aos governos estaduais e municipais o poder para definir normas sanitárias, o presidente concluiu, erradamente, caber apenas aos governos subnacionais o combate à pandemia. Também entra na sua conta o estado já muito ruim da economia quando chegou o novo coronavírus. Durante mais de um ano ele ignorou o assunto, ocupado com outras prioridades. O Brasil paga por isso.