Imagem ex-librisOpinião do Estadão

O Pisa e o futuro da educação

Em vez de discutir a questão em termos técnicos, Jair Bolsonaro fez comentários genéricos

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

No dia seguinte à divulgação dos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), que voltou a comprovar a má qualidade do sistema brasileiro de ensino básico, o presidente Jair Bolsonaro fez o que os especialistas em educação mais temiam.

Em vez de discutir em termos técnicos um problema que pode comprometer a emancipação intelectual e social das próximas gerações e pedir ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, a formulação de uma política que defina prioridades para o setor educacional, Bolsonaro optou por fazer comentários genéricos. Mas, em primeiro lugar, confundiu ensino fundamental com ensino médio e este com ensino superior. Em segundo lugar, invocou argumentos ideologicamente enviesados. E, em terceiro lugar, tentou atribuir a responsabilidade pelo baixo nível do ensino brasileiro ao educador Paulo Freire, falecido em 1997.

“O Ministério dele (Abraham Weintraub) tem quase 300 mil servidores. As universidades têm autonomia. O Ministério eu jamais aceitaria ir para lá (sic). Ele (Weintraub) tem habilidade, competência, tem formação compatível para isso. Mas é um Ministério que tá ali (sic), pode explodir de uma hora para outra, dada a sensibilidade dos mesmos (sic)”, disse Bolsonaro. Ao tratar do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), justificou os maus resultados atacando Paulo Freire. “Não deu certo. Os caras seguiam a máxima de Lenin, não tome quartéis, tome escolas. Isso não é obsessão minha, uma doença, psicose, é uma realidade, os números estão aí”, concluiu.

Diante de comentários tão confusos e desastrosos, vários especialistas em educação não esconderam seu temor. Com base num relatório elaborado por uma comissão da Câmara dos Deputados, afirmaram que, em matéria de ensino, 2019 foi um ano perdido. Entre outros motivos, por causa da falta de foco e de planejamento do MEC, da inépcia da máquina administrativa, da inexistência de articulação entre a União e os Estados e municípios, do baixo apoio financeiro à rede escolar pública e da alta rotatividade nos cargos comissionados, uma vez que a maioria dos nomeados foi indicada mais por critérios políticos, ideológicos e religiosos do que pedagógicos.

Os mesmos especialistas também alegam que, pelo que mostrou nos quase nove meses em que está à frente do MEC, o titular da pasta deixou claro que não conhece educação e que não tem assessoria competente. E, numa demonstração de que não tem planos, perdeu tempo discutindo questões de menor relevância, como a expansão da rede de escolas militares, limitou-se a olhar para o passado, criticando as gestões petistas, sem se preocupar com o futuro – principalmente com relação ao ensino fundamental e médio. Por isso, vai se disseminando nos meios educacionais a ideia de que, no que depender do governo do presidente Jair Bolsonaro, as pontuações obtidas pelo Brasil na próxima edição do Pisa, a ser realizada em 2021, serão ainda piores do que as registradas na edição de 2018.

“Mantida a rota adotada pelo atual governo, que não investe em professores e na atratividade da docência, o Brasil perderá posições no próximo ranking do Pisa”, afirma a presidente executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz. “Sem um projeto de longo prazo, que pense na valorização dos professores, na atratividade da carreira e na formação inicial e continuada dos profissionais da área é difícil ter boas expectativas”, diz o professor Gregório Durlo Grisa, do Instituto Federal do Rio Grande do Sul.

A valorização da carreira docente foi, justamente, o maior determinante do sucesso de todos os países que estão no topo do ranking do Pisa e dos países latino-americanos que mais avançaram na edição de 2018. Já entre nós, o presidente Bolsonaro e o ministro Abraham Weintraub não perdem oportunidade para criticar e desqualificar. Nesse cenário, como a educação brasileira pode ter um futuro promissor?