Imagem ex-librisOpinião do Estadão

O poder da maioria silenciosa

A sociedade está dividida politicamente, como esperado em um país democrático. Mas não como supõe o senso comum

Exclusivo para assinantes
Por Notas&Informações
2 min de leitura

As discussões políticas nas redes sociais, muito agressivas, transmitem a impressão de que a sociedade brasileira estaria cindida ao meio e o debate público, interditado pela intolerância. Na realidade, não é bem assim, como revelou uma pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva, publicada há poucos dias pelo jornal Valor.

Em que pese o fato de um em cada três brasileiros (31%) dizer que cerra fileiras com os extremos do espectro político (13% à extrema-esquerda e 18% à extrema-direita), 36% dos eleitores não se identificam com qualquer campo político e outros 22% se declaram de centro. Segundo a pesquisa, esse grupo mais radical, embora minoritário, é o que mais se engaja nas redes sociais e o que mais se “informa” por meio delas, ávidos que são por conteúdos que confirmam suas crenças, ainda que não encontrem respaldo na verdade dos fatos. Em outras palavras: a maioria da população (58%) não dá a mínima para as virulentas discussões online e está mais ocupada em tocar o dia a dia e sonhar com um governo que trabalhe, apenas isso, provendo emprego, saúde, segurança e educação – ou ao menos um governo que não atrapalhe a vida dos cidadãos.

Essa é a principal conclusão que se pode tirar da pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva a pedido da organização não governamental Despolarize. Entre os dias 26 e 30 de novembro do ano passado, o instituto ouviu 1.315 pessoas – homens e mulheres com mais de 16 anos – em 142 municípios de todos os Estados e do Distrito Federal.

Não se sabe ainda quem serão os candidatos à Presidência da República em 2022. Os nomes que ora circulam ainda precisam ser confirmados pelos partidos políticos no prazo definido pela lei eleitoral. Contudo, é seguro afirmar que quem quiser governar o Brasil a partir de 1.º de janeiro de 2023 terá de dialogar, necessariamente, com aqueles 58% da população que esperam propostas muito concretas para solucionar problemas que afligem milhões de brasileiros, principalmente os de natureza econômica. Para esse enorme contingente de eleitores, que não parecem ser prisioneiros da ideologia dos extremos, a escolha eleitoral deverá ser mais pragmática do que ideológica. Ou seja, a maioria dos brasileiros está menos aflita com “guerra cultural”, “ascensão do fascismo”, “ameaça comunista” ou outra bobagem do gênero do que com a ameaça de desemprego e o preço dos alimentos nas gôndolas do supermercado.

Apenas para os grupos mais radicais, que se dizem infensos ao diálogo e à mudança de opinião, pouco importa se os candidatos de sua predileção apresentarão ou não propostas responsáveis para tratar das renitentes mazelas do País. Dos eleitores ouvidos pelo Instituto Locomotiva, 25% se disseram “altamente intolerantes”, o que significa que não admitem nem por hipótese rever suas convicções e, menos ainda, considerar outro candidato à Presidência da República que não o que representa a personificação de suas estreitas visões de mundo.

A pesquisa confirmou a percepção geral de que os brasileiros estão divididos politicamente, fato que não chega a surpreender em um país democrático, de dimensões continentais e com mais de 212 milhões de habitantes. Do total de eleitores ouvidos pelo Instituto Locomotiva, 89% veem a sociedade “muito dividida”. Apenas 11% acreditam que o País não está politicamente fragmentado. No entanto, só 23% acreditam que os brasileiros estão divididos entre dois polos políticos; 39% veem a divisão em vários polos; e 27% dos entrevistados acreditam que os brasileiros estão divididos em dois polos maiores e outros grupos menores agregados.

A sete meses da eleição, as certezas de hoje envolvendo o pleito valem tanto quanto uma nota de três reais. Sejam quais forem os candidatos que disputarão o Palácio do Planalto, resta evidente que há uma maioria silenciosa, longe das diatribes das redes sociais, com quem eles deverão dialogar. E essa parcela dos eleitores, que detêm o poder de definir o futuro próximo do País, provavelmente não se deixará convencer por gritaria ideológica, e sim por propostas concretas para estimular o desenvolvimento econômico e humano.