Imagem ex-librisOpinião do Estadão

O ‘poder moderador’ e o imoderado

O que Jair Bolsonaro supunha ser demonstração de poder serviu para escancarar os limites de sua autoridade imaginária

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

Diante dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica e de oficiais-generais recém-promovidos, numa solenidade na quinta-feira passada, o presidente Jair Bolsonaro atribuiu às Forças Armadas a função de “poder moderador”.

Não foi a primeira vez que o presidente distorceu o papel institucional dos militares, mas a reiteração de tal deturpação neste momento tenso reforça a disposição de Bolsonaro de confrontar os que, no Judiciário, pretendem fazê-lo responder por atos que afrontam a democracia. E, como já está claro, o presidente se esforça com denodo para envolver as Forças Armadas em seus propósitos liberticidas.

Sendo um “poder moderador”, na visão de Bolsonaro, as Forças Armadas estariam acima dos Poderes constitucionais e, nessa condição, seriam irresponsáveis. Obviamente, não há nada disso na Constituição, como já declararam os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, quando tiveram que se posicionar acerca da excêntrica hermenêutica constitucional de Bolsonaro.

Desta vez, ao contrário do que sempre faz, o presidente não citou o artigo 142 da Constituição, segundo o qual as Forças Armadas são instituições nacionais “que se destinam à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem” – o que, na leitura bolsonarista, significa que a manutenção da democracia depende dos militares.

Em seu discurso, contudo, Bolsonaro deixou claro que não considera as Forças Armadas um “poder moderador” no estilo do estabelecido pela Constituição de 1824, que dava ao imperador o “poder neutro” de velar pela “manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais Poderes políticos” (artigo 98). Não. O “poder moderador” que Bolsonaro quer ver exercido pelas Forças Armadas nada tem de neutro, pois o presidente disse esperar que o comando militar dê “apoio total às decisões do presidente para o bem de sua nação”.

Ou seja, o “poder moderador” das Forças Armadas, segundo Bolsonaro, deve ser exercido no estrito cumprimento das ordens presidenciais – porque, afinal, como ele vive a dizer e repetir, o presidente é o “comandante supremo das Forças Armadas”. E isso significa que, para Bolsonaro, cabe aos militares, sob seu comando, “moderar” os Poderes que, no exercício de suas funções institucionais, impõem limites ao presidente.

Não se pode condenar quem veja nesse discurso a enésima ameaça de ruptura da ordem democrática por parte de Bolsonaro, e jamais esteve tão claro que o presidente imagina contar com os militares para sua aventura autoritária.

No entanto, malgrado haja apoio de parte dos militares a Bolsonaro, por afinidade de ideias e laços de camaradagem, está cada vez mais claro que esse apoio é insuficiente para que as Forças Armadas afinal se prestem a ser guarda pretoriana do presidente. O fato de que Bolsonaro já teve que trocar os comandantes militares e seu ministro da Defesa porque estes haviam se recusado a fazer das Forças Armadas linha auxiliar do bolsonarismo mostra que há uma distância razoável entre os devaneios do presidente e a realidade nos quartéis.

Isso fica evidente com a insistência de Bolsonaro em reafirmar seu poder sobre as Forças Armadas, submetendo-as publicamente a seus desígnios. No episódio mais recente, Bolsonaro inventou uma parada militar em Brasília com veículos blindados da Marinha para intimidar parlamentares que estavam para votar a PEC do Voto Impresso e para inquietar o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, de onde brotam problemas para o presidente.

Nem a PEC do Voto Impresso foi aprovada nem as Cortes superiores se deixaram amedrontar – e, de quebra, o desfile de blindados, que gerou reações de indignação e de chacota, aborreceu parte considerável dos generais. Ou seja, o que Bolsonaro supunha ser uma demonstração de poder serviu, na verdade, para escancarar os limites de sua autoridade imaginária. Resta-lhe repetir que as Forças Armadas – e, por extensão, as demais instituições republicanas – devem se dobrar a seus desejos, como se a reiteração dessa bravata cesarista fosse suficiente para transformá-la em realidade.