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O pontapé inicial da reforma

As propostas do Executivo para a Previdência foram classificadas como duras - um elogio, neste caso - por analistas. Não parece, no entanto, haver muito espaço para concessões quando os detalhes forem discutidos

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Por Notas & Informações
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O governo poderá economizar R$ 1,3 trilhão em dez anos, a partir da aprovação da reforma da Previdência, segundo minuta do projeto obtida pela Agência Estado, mas o ganho se torna mais notável se contemplado de outra perspectiva. Além de evitar um desastre, uma boa reforma permitirá melhores serviços públicos e maiores investimentos para a expansão da atividade, a criação de empregos e a elevação das condições de vida de muitos milhões de famílias. Divulgada a minuta, surgem detalhes e números para um debate mais concreto e mais produtivo sobre a modernização do esfrangalhado sistema de pensões e aposentadorias. Há outras simulações em exame, segundo o secretário da Previdência Social, Rogério Marinho, mas o texto agora conhecido tem elementos suficientes para um pontapé inicial na discussão pública. 

As propostas do Executivo foram classificadas como duras - um elogio, neste caso - por analistas do setor financeiro. Não parece, no entanto, haver muito espaço para concessões quando os detalhes forem discutidos. Segundo o vice-presidente Hamilton Mourão, o presidente Jair Bolsonaro rejeita a idade mínima igual para homens e mulheres. 

O mínimo comum de 65 anos seria, portanto, o primeiro ponto contestado e sujeito a alteração. Além disso, já houve resistência, no Congresso, à possível diminuição do Benefício de Prestação Continuada, pago a pessoas muito pobres e com deficiências. A ideia é desvincular esse pagamento do salário mínimo. Alguma compensação pode ser proposta, como a redução da idade mínima, hoje fixada em 65 anos, mas o debate é politicamente complicado, porque envolve a assistência aos mais desprotegidos. 

Outros itens, como a imposição de condições mais igualitárias a todas as categorias de beneficiários - trabalhadores do setor privado, funcionários civis, policiais e militares -, parecem menos adequados a grandes negociações e a concessões significativas. 

Um dos pontos centrais de todas as propostas sérias de reforma tem sido, até agora, a criação de condições mais equitativas para todas as categorias de trabalhadores. Esse objetivo tem sido apresentado como um requisito de justiça. A diferença entre a aposentadoria dos trabalhadores civis e o esquema assistencial dos militares deixou em pouco tempo de ser um problema. O assunto foi negociado e o esquema previdenciário, incluída a contribuição, valerá, com diferenças em geral pequenas, para todas as categorias. 

A proposta divulgada mantém um período longo de transição para a aposentadoria por idade (com elevação da idade mínima da mulher), para o tempo mínimo de contribuição e para a aposentadoria por tempo de contribuição. O tempo mínimo passará de 15 anos para 20, com acréscimo de seis meses a cada ano. Se o ponto inicial for 2019, o processo terminará em 2029, com aperto muito gradual das condições. 

A mudança das condições valerá também para os políticos. A idade mínima de 65 anos valerá para todos e os novos parlamentares ficarão proibidos de entrar no atual plano de aposentadoria dos congressistas. Este plano permite benefício acima do teto do INSS, hoje fixado em R$ 5,8 mil. A discussão dessas novas condições será um teste de seriedade e de espírito público para os novos deputados e senadores. De modo geral, as negociações da reforma da Previdência permitirão avaliar se a renovação das bancadas produzirá uma efetiva melhora nos costumes dominantes no Congresso. 

Se restar uma boa reforma depois das negociações, o custo da Previdência deixará de crescer de forma descontrolada, a gestão orçamentária ficará mais fácil e sobrará algum dinheiro para serviços indispensáveis à população e para investimentos. O bom uso desse dinheiro também dependerá da competência do governo e da condução das questões financeiras no Congresso. Mas um passo indispensável à normalização da vida nacional terá sido completado.

Governos estaduais, sufocados pelos gastos previdenciários, deverão apoiar a mudança. Há condições favoráveis à reforma e o governo cometerá um erro desastroso se perder essa oportunidade.