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O preço da pequenez

Um voto dado na urna não é um pacto de sangue entre o eleitor e o candidato escolhido

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Por Notas & Informações
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Há quase uma semana, paulistanos de todas as classes sociais foram às janelas de suas casas em diversos bairros da cidade para manifestar repúdio à insensibilidade e à retumbante incompetência do presidente Jair Bolsonaro para fazer frente aos dramáticos desafios impostos pela pandemia de covid-19. O som metalizado das panelas passou a fazer parte do cotidiano das famílias em noites de isolamento prudencial na maior cidade do País.

A insatisfação de parcela expressiva dos moradores de São Paulo com o governo de Jair Bolsonaro, que já era perceptível de forma empírica, foi quantificada por uma pesquisa realizada pelo Ibope, em parceria com o Estado e a Associação Comercial de São Paulo (ACSP). De acordo com a pesquisa, que ouviu 1.001 pessoas entre os dias 17 e 19 deste mês, quase a metade dos paulistanos (48%) considera o governo de Jair Bolsonaro “ruim ou péssimo”. Para 26% dos entrevistados, a administração federal é apenas “regular”. Por fim, 25% a consideram “boa ou ótima” (1% não soube ou não quis responder).

A atuação errática do presidente Jair Bolsonaro ao lidar com a crise, muitas vezes contrapondo seus atos e palavras às diretrizes definidas por membros de sua própria equipe, mostra que ao presidente importa mais o seu interesse imediato – a reeleição – do que a saúde e o bem-estar dos brasileiros. Ao proceder assim, Bolsonaro paga o preço de sua pequenez, de sua incorrigível incapacidade para liderar a Nação em meio a uma crise sanitária, social e econômica sem precedentes na história recente do País. Dos 48% de paulistanos que consideram o governo federal “ruim ou péssimo”, nada menos do que 40% estão no polo extremo que avalia a atuação do presidente da República como “péssima”.

O sentimento capturado pela pesquisa Ibope revela a erosão da confiança depositada pelos paulistanos na capacidade de gestão do presidente Jair Bolsonaro. Não há histórico de pesquisa semelhante realizada pelo instituto, vale dizer, com abrangência restrita à capital paulista, mas o resultado da eleição de 2018 pode servir como parâmetro de comparação. No primeiro turno daquele pleito, Jair Bolsonaro recebeu 2,8 milhões de votos na cidade de São Paulo, quase 1,5 milhão de votos a mais do que recebeu o seu adversário, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT). No segundo turno, Bolsonaro foi eleito com 60,4% dos votos válidos na capital paulista. Ou seja, seis em cada dez paulistanos votaram no capitão reformado para a Presidência da República. O apoio ao presidente se esvai à medida que os paulistanos percebem que, no momento em que mais se faz necessária a presença de uma liderança nacional capaz, se vê que não há sequer liderança.

A reprovação ao presidente Jair Bolsonaro é maior entre as camadas mais pobres da população de São Paulo. Entre eleitores com renda familiar de até um salário mínimo, 56% consideram o governo federal “ruim ou péssimo” e apenas 15% o veem como “bom ou ótimo”. Mas mesmo entre o eleitorado mais abastado da cidade de São Paulo, um bastião do bolsonarismo, a avaliação negativa do presidente da República já supera a positiva. Dos eleitores com renda superior a cinco salários mínimos (20% dos paulistanos), 39% consideram o governo de Jair Bolsonaro “ruim ou péssimo”, enquanto para 32% ele é “bom ou ótimo”.

Mais do que revelar o esfacelamento da aprovação do presidente Jair Bolsonaro na cidade de São Paulo, onde obteve esmagadora votação em 2018, a pesquisa Ibope indica um saudável processo de reavaliação que é próprio das democracias. Um voto dado na urna não é um pacto de sangue entre o eleitor e o candidato escolhido. Uma vez eleito, este estará sujeito ao escrutínio público até o último dia de seu mandato e será julgado por suas palavras, ações e omissões. A eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência da República foi surpreendente por uma série de fatores, o antipetismo entre os mais fortes. Caso resolva começar a governar para todos, ainda que tardiamente, Jair Bolsonaro poderá ter a chance de mostrar que sua vitória não foi apenas um acidente histórico.