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O presidente está nervoso

Estagnação nas pesquisas tirou Bolsonaro do prumo. Seu discurso será cada vez mais ameaçador

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Por Notas & Informações
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A proximidade das eleições está mexendo com os nervos do presidente Jair Bolsonaro. A bem da verdade, sereno ele nunca foi. Mas, a julgar por sua postura ainda mais irascível nas últimas semanas, parece que a estagnação nas pesquisas de intenção de voto tirou Bolsonaro do prumo. Talvez não contasse com esse quadro a cinco meses da eleição.

No dia 16 passado, durante um evento organizado pela Associação Paulista de Supermercados (Apas), em São Paulo, o presidente voltou a ameaçar com uma sublevação caso seja derrotado nas urnas em outubro. Aos berros, comparou o atual momento do País com aquele que antecedeu o golpe militar de 1964. “Os que tentaram nos roubar em 64 tentam nos roubar agora. Lá atrás, pelas armas. Hoje, pelas canetas”, afirmou o presidente à plateia de empresários.

À luz da razão, essa fala de Bolsonaro não tem pé nem cabeça. O Brasil de 2022 em absolutamente nada se aproxima do Brasil de 1964. Nem o mundo é o mesmo. Das duas uma: ou a comparação provém de uma mente perturbada, alheia à realidade, ou é pura tática eleitoral. Ainda que o presidente de vez em quando pareça perturbado, é mais seguro apostar na segunda opção.

Bolsonaro não está nervoso pelas razões que afligiriam qualquer presidente digno do cargo: a fome de milhões de seus concidadãos, o desemprego, a alta da inflação, a falta de perspectiva de futuro em áreas fundamentais, como economia, educação e meio ambiente. Bolsonaro tem medo de perder a eleição, é isso que tira o seu sono. O próprio presidente já projeta um futuro nada bom caso seja derrotado nas urnas: “Por Deus que está no céu, eu nunca serei preso”. Ora, e quem disse que será? Acaso o presidente vê algum motivo para ser preso?

Decerto sentindo-se protegido por uma espécie de imunidade tácita, haja vista que nem o Congresso nem a Procuradoria-Geral da República (PGR) agiram como mandam as leis e a Constituição para impor limites aos ataques de Bolsonaro contra o Estado Democrático de Direito, o presidente tornou a mentir sobre as urnas eletrônicas e afirmou que as eleições de 2022 serão “conturbadas” caso não sejam “limpas”. Com essa retórica antidemocrática, Bolsonaro exerce uma espécie de “direito de espernear” preventivo. Ao fim e ao cabo, valerá a palavra final do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o resultado das eleições.

Os rompantes de fúria, as ameaças de baderna (material e institucional) e as mentiras sobre o sistema eleitoral são previsíveis à luz da tática eleitoral de Bolsonaro, que pretende, assim, inflamar sua base mais radical de apoiadores para manter, no mínimo, a chance de chegar ao segundo turno. Mas não são menos graves por isso.

O que se tem é o presidente da República, ninguém menos, anunciando diariamente – e há algum tempo – que não vai reconhecer o resultado das eleições caso seja derrotado. A democracia, afinal, prevalecerá, mas se até a eleição Bolsonaro não for contido por quem tem a prerrogativa de fazê-lo, o País estará prestes a viver seus dias de maior tensão institucional e social em muitas décadas. É tudo o que Bolsonaro quer.