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O presidente recua

Jair Bolsonaro teve que mudar a formatação de seu Ministério e aceitar que ministros sejam apadrinhados por políticos

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Por Notas e Informações
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Fosse organizado e tivesse uma base sólida no Congresso, o governo do presidente Jair Bolsonaro não teria dificuldade para aprovar a Medida Provisória (MP) 870, que trata da diminuição dos Ministérios de 29 para 22 e reorganiza atribuições do Executivo. No entanto, dada a fragilidade de sua articulação política, os políticos parecem ter percebido que mesmo pautas aparentemente banais, como essa MP, encontrarão resistência até entre parlamentares que, em condições normais, já teriam aderido à base governista.

Para não sofrer mais uma derrota e não piorar as perspectivas em relação a votações muito mais importantes, como a da reforma da Previdência, o governo aceitou dividir o Ministério do Desenvolvimento Regional em dois, recriando os Ministérios de Cidades e da Integração Nacional. Além disso, aceitou que os futuros ministros dessas pastas sejam indicados por parlamentares – no caso, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). De uma tacada só, portanto, Jair Bolsonaro teve que reconsiderar a formatação de seu Ministério, submetendo-a a conveniências meramente políticas, e aceitar que ministros seus sejam apadrinhados por políticos.

Para um presidente que fez campanha feroz contra o que chamava de “velha política” e contra o loteamento do governo para fins políticos – marca do famigerado “presidencialismo de coalizão” –, trata-se de um recuo e tanto. Até onde a vista alcança, não há nenhum motivo técnico para recriar o Ministério das Cidades e o da Integração Regional. O relator da MP 870, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), autor do parecer que fez a alteração, disse vagamente que a volta dessas pastas visa a “melhorar o desenvolvimento de alguns programas”.

Na prática, o que se tem é o retorno de um Ministério, o das Cidades, com dotação orçamentária usualmente bastante generosa e com ampla influência nos municípios, o que pode ser importante à medida que se aproximam as eleições para as prefeituras no ano que vem. Além disso, esse mesmo Ministério costumava frequentar o noticiário como foco constante de denúncias de corrupção.

Bolsonaro procurou tratar com naturalidade a mudança em seu Ministério. “(Os parlamentares) vieram de forma bastante objetiva tratar desse assunto comigo. Eu não criei óbice no tocante a isso”, disse Bolsonaro, acrescentando que esperava apenas que o futuro ministro tivesse o aval da Frente Parlamentar dos Municípios – uma forma de tentar manter as aparências de um governo que ruidosamente diz repudiar o varejo fisiológico das negociações com partidos e políticos.

Na prática, porém, trata-se de óbvia rendição aos fatos: o governo de Bolsonaro não tem base nenhuma no Congresso e começa a perceber que precisa de um patamar mínimo de votos para ter alguma segurança nas futuras e muito mais duras votações. O problema é que Bolsonaro e seus principais articuladores políticos parecem ter despertado tardiamente para o problema e, em razão disso, viram-se obrigados a engolir o velho jogo do toma lá dá cá que tão mal fez ao País.

Bolsonaro foi eleito na onda do repúdio dos eleitores por essas práticas e teve tempo e popularidade mais que suficientes para construir uma base parlamentar relativamente sólida, unida em torno de uma agenda de mudanças vitais para o País, e não na base da cooptação. Aparentemente, contudo, Bolsonaro entende o exercício da Presidência como a prática de poder imperial, em que suas vontades, por supostamente traduzirem as do eleitorado, devem ser acatadas sem discussão pelo Congresso, dispensada a formação de uma base parlamentar para defender as propostas do governo.

Em pouco tempo, e depois de seguidas derrotas, Bolsonaro agora parece inclinado a fazer concessões antes consideradas inadmissíveis. E o céu é o limite, pois ainda estão por vir as verdadeiras provas de fogo para o governo, especialmente quando afunilar a tramitação da reforma da Previdência – sem a qual o País, seja com a “velha” política, seja com a “nova”, ficará ingovernável.