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O resultado da eleição no Peru

Castillo deverá trazer estabilidade a um país que vive aos sobressaltos há quase quatro anos

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Por Notas&Informações
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Mais de um mês após a eleição, o Júri Nacional de Eleições (JNE) do Peru declarou que Pedro Castillo, candidato do partido Perú Libre, de extrema esquerda, será o novo presidente do país. Castillo tomará posse no próximo dia 28.

O anúncio foi feito após a Corte Eleitoral rejeitar o último recurso interposto pela candidata derrotada, a direitista Keiko Fujimori, que alegava fraude no processo de apuração dos votos. Keiko reconheceu a derrota. “Vou reconhecer este resultado porque é o que manda a lei e a Constituição que jurei defender”, disse ela, logo após o JNE rechaçar seu derradeiro pedido de recontagem.

O reconhecimento da derrota, ainda que tardio, é importante para serenar ânimos exaltados. A contestação do resultado de uma eleição, sobretudo sob a alegação de fraude em disputa tão polarizada (Castillo recebeu 50,2% dos votos e Keiko, 49,8%), é um abalo político e social até mesmo para países de sólida tradição democrática, como foi o caso dos Estados Unidos. Em países que carregam as cicatrizes de governos autoritários, como o Peru, a indefinição do resultado eleitoral fragiliza ainda mais a democracia. Apenas para ficar na história recente, o pai de Keiko, o ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), deu um autogolpe e fechou o Congresso em 1992.

Encerrar o ciclo eleitoral, no entanto, resolve apenas uma parte dos problemas do Peru. Talvez a mais fácil. Pedro Castillo terá grande dificuldade para liderar um governo capaz de resolver os sérios problemas do país. Primeiro, porque a sociedade peruana está profundamente dividida, como os próprios porcentuais de votos nos dois candidatos indicam. Segundo, porque, até ser eleito presidente, Pedro Castillo era um anônimo professor de uma escola rural no interior do Peru, que só ganhou projeção nacional por liderar uma greve nacional de professores há quase quatro anos. Conseguiu seduzir metade do eleitorado peruano unificando, se assim é possível dizer, o discurso de esquerda, prometendo que não haverá mais cidadãos pobres em um país rico, com uma moral extremamente conservadora.

Castillo, portanto, parece não ter muito mais a oferecer além de um discurso eleitoralmente sedutor, em que tentou – e conseguiu – fazer uma improvável união da sociedade peruana em torno do seu nome. “Pedro Castillo é uma espécie de Lula do campo. Não tem as habilidades sindicais do ex-presidente brasileiro, mas é um bom comunicador. Ele foi um candidato muito melhor do que Keiko para transmitir emoções”, disse a jornalista e analista política Sonia Goldenberg à AFP.

O presidente eleito não tem histórico de articulação política, de vinculação a partidos, experiência executiva ou parlamentar. Mesmo sem estes atributos, caberá a Castillo dar alguma estabilidade política a um país que vive aos sobressaltos há quase quatro anos. Neste período, o Peru teve nada menos do que quatro presidentes.

Após a cassação do ex-presidente Martín Vizcarra por “incapacidade moral”, em novembro passado, a instabilidade política se agravou pela eclosão de uma série de manifestações populares na capital, Lima, e em outras cidades do país. A polícia reprimiu com violência os protestos. Duas pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridas. Os milhares de peruanos que foram às ruas alegaram que a posse de Manuel Merino, então presidente do Congresso, foi um “golpe contra a democracia”, embora o processo de cassação de Vizcarra tenha seguido os ritos previstos na Constituição. Ainda assim, Merino não resistiu aos protestos e renunciou. O Congresso designou Francisco Sagasti, do Partido Morado, como presidente interino. 

É neste clima de instabilidade, e após uma eleição que também foi bastante tumultuada, que Pedro Castillo tomará posse no fim deste mês. Ele tem a ambição de liderar um movimento por uma Constituição, haja vista que a atual é muito associada ao fujimorismo. Antes, terá de construir um novo pacto social que a Lei Maior deverá refletir.