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O retrato das mazelas educacionais

Dois documentos publicados no mesmo dia dão a medida das mazelas do sistema de ensino do País

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Por Notas e Informações
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Dois documentos publicados no mesmo dia, e na mesma semana em que o Ministério da Educação (MEC) permaneceu acéfalo e em que a Justiça concedeu liminar suspendendo a impressão da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), inviabilizando sua realização na data prevista, dão a medida das mazelas do sistema de ensino do País.

O primeiro documento é o relatório do 3.º Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional da Educação (PNE) até 2024. Divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), ele revela que, no primeiro ano do governo Bolsonaro, os indicadores relacionados à alfabetização de jovens, alunos de tempo integral, educação profissional e acesso à universidade permaneceram estagnados. Em 2019, o País tinha 14,9% dos alunos em escolas de tempo integral, ante 14,4% em 2018. A meta era chegar a 25%. Também tinha 1.874.974 alunos na educação profissional técnica de nível médio em 2019, ante 1.869.917 no ano anterior. Com relação à alfabetização de jovens com mais de 15 anos, a taxa foi de 93,2%, em 2018, e de 93,4%, em 2019. No ensino superior, a taxa de matrícula permaneceu em 37,4% tanto em 2018 como em 2019 – a meta prevista pelo PNE é de 50%. 

Além dos números, a tragédia educacional é evidenciada pelas declarações desencontradas do governo. Tentando encontrar uma desculpa para a inépcia do governo, o secretário executivo do MEC, Antonio Vogel, atribuiu o baixo desempenho da pasta à falta de recursos orçamentários e a problemas enfrentados na transferência de recursos para Estados e municípios. “O MEC tem poder indutor e ele se enfraqueceu diante da situação fiscal que o País vive”, disse ele. Contudo, acabou sendo atropelado pelo próprio presidente da República, que, no mesmo dia, ao conversar com apoiadores no Palácio da Alvorada, foi taxativo. “A educação está horrível no Brasil”, afirmou, sem reconhecer sua parcela de culpa por esse cenário.

O segundo documento é uma avaliação das propostas do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que tem de ser votado até dezembro, para evitar que esse nível de ensino fique sem recursos a partir de 2021. Esse fundo, cujos recursos correspondem a cerca de 6% do Produto Interno Bruto brasileiro, é responsável pelo financiamento de 60% da educação no Brasil. O estudo foi realizado por pesquisadores das áreas de tecnologia e políticas públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. Com o objetivo de fornecer subsídios ao Congresso, eles cruzaram 36 variáveis de 197 propostas legislativas apresentadas entre 2004 e 2019. A maioria delas foi apresentada por parlamentares do Estado da Bahia, seguidos pelas bancadas de São Paulo e Minas Gerais.

O documento revela que, entre os autores dessas propostas, poucos parlamentares se preocuparam com a participação da sociedade civil no controle e na gestão dos recursos, para propiciar maior transparência e assegurar que os recursos cheguem às salas de aula, atendendo às demandas da comunidade escolar e não a interesses corporativos e políticos. O trabalho também mostra que a maioria dos parlamentares apresentou projetos que aumentam os recursos para o ensino básico sem, contudo, indicar as fontes de financiamento. Revela ainda que, além de não levarem em conta aspectos econômicos, demográficos e pedagógicos, os autores das propostas legislativas sobre o Fundeb priorizam somente a quantidade de matrículas, não levando em conta a qualidade do ensino. Apenas três parlamentares fizeram menção ao indicador de Custo Aluno Qualidade (CAQ).

Os dois documentos não deixam margem a dúvidas. Mostram o preço que o País vem pagando por uma gestão educacional desastrosa e que os projetos sobre o financiamento do ensino básico carecem de qualidade e foco. Revelam, assim, que o País continua negando às novas gerações a formação de que necessitam para se emancipar cultural, econômica e socialmente.