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O retrocesso como ativo eleitoral

Para agradar à sua base eleitoral, Bolsonaro tenta promover no ano eleitoral perigosas pautas

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Por Notas & Informações
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Na lista de prioridades do governo Bolsonaro, o interesse eleitoral vem muito antes do que eventual responsabilidade fiscal. Neste ano de 2022, Jair Bolsonaro tem sido pródigo não apenas em anunciar aumento de benefícios sociais, mas também em prometer reajustes e benesses para setores do funcionalismo. É o velho e conhecido populismo fiscal, com dinheiro público sendo usado para angariar votos.

Mas não é apenas a irresponsabilidade fiscal que requer, neste ano, cuidados especiais. Com Jair Bolsonaro na Presidência da República, outro tema exige vigilância redobrada: o retrocesso civilizatório e institucional. Sem ter o que apresentar nas áreas fundamentais de um governo – ao contrário, há muito a esconder na saúde, na educação e na economia –, o bolsonarismo, com a proximidade das eleições, volta sua atenção a demandas específicas dos grupos que o apoiam, além de ressuscitar algumas de suas pautas ideológicas. Mais do que simples bizarrices, essas pautas causam danos.

Tudo isso é parte da grande farsa de tentar apresentar o bolsonarismo como uma causa política relevante, com um propósito definido, capaz de oferecer alguma contribuição ao País. No conto bolsonarista – que não é apenas distante dos fatos, mas rigorosa manipulação –, Jair Bolsonaro estaria travando quixotescamente batalhas ideológicas decisivas contra o comunismo, em prol da família e da liberdade.

Ainda que a farsa convença cada vez menos incautos, é preciso estar em alerta contra a ruína dos padrões mínimos de convivência social e democrática promovida pelo bolsonarismo. Incapaz de construir alguma coisa, o bolsonarismo é hábil em destruir o que outros fizeram. O exemplo mais recente, que está longe de ser o mais grave, foi o novo ataque do governo à Lei Rouanet, publicando novas regras e limitações totalmente arbitrárias para o programa de apoio à cultura.

É impressionante como esse tema ocupa o imaginário bolsonarista. Entre outros efeitos, tal obsessão com a Lei Rouanet, que está longe de ser perfeita, mas tampouco é o horror que os bolsonaristas pintam, manifesta a disfuncionalidade de um governo que faz da perseguição à classe artística uma de suas prioridades. É conduta imoral e inconstitucional.

Na mesma linha do retrocesso eleitoreiro, veem-se movimentos do governo Bolsonaro para diminuir ainda mais o controle sobre as armas de fogo. Tenta-se, por exemplo, dar andamento ao Projeto de Lei 3.723/2019, de autoria do Executivo e que tramita no Senado. É uma proposta perversa. Sob o pretexto de dar segurança jurídica para caçadores, atiradores desportivos e colecionadores, o projeto extingue, entre outros pontos, a marcação que permite rastrear as armas e munições e investigar seus desvios. Por mais que Bolsonaro queira, não é hora de alterar o Código Penal e o Estatuto do Desarmamento para facilitar a vida da milícia e de outros criminosos.

Como se não bastasse, há rumores de possível medida provisória para anistiar armas ilegais, o que seria constrangedor escracho com a lei e o interesse público. E tudo isso é apenas para angariar votos – que, espera-se, sejam insuficientes para que Bolsonaro complete sua ruinosa obra.