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O Senado e a ‘minirreforma trabalhista’

Casa assentou mais um tijolo no muro para conter os despropósitos destes tempos estranhos

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Por Notas & Informações
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Na noite de quarta-feira passada, o Senado acionou mais uma vez seus mecanismos de contenção a alguns despropósitos políticos e legislativos que têm vicejado nesta estranha quadra da história nacional. Por 47 votos a 27, a Casa derrubou a Medida Provisória (MP) 1.045, que, caso fosse convertida em lei, promoveria tantas alterações no ordenamento jurídico do trabalho que passou a ser chamada de “minirreforma trabalhista”.

O acerto da decisão do Senado começa exatamente pela estrita observância demonstrada à própria natureza constitucional de uma medida provisória. Como dispõe a Lei Maior, a medida provisória é instrumento excepcional à disposição da Presidência da República para que o Poder Executivo legisle sobre determinadas questões em caso de “relevância e urgência” (artigo 62), vale dizer, quando a produção dos efeitos esperados pela edição da medida não pode esperar a conclusão dos ritos regulares do Poder Legislativo.

Em um país com 14,4 milhões de desempregados e 5,6 milhões de desalentados, não há dúvida que é dever do governo federal facilitar tanto quanto for possível as condições de admissão desse contingente de brasileiros pelas empresas, mesmo que para isso seja necessária a alteração de alguns aspectos pontuais da atual legislação trabalhista. Mas aí está o busílis. Tal como fora aprovada pela Câmara dos Deputados, em meados de agosto, a MP 1.045 havia sido convertida, como foi dito, em uma “minirreforma” da legislação trabalhista, com alterações não triviais da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ora, não é este o propósito de uma medida provisória. Em outras palavras: mudanças tão significativas no ordenamento jurídico do trabalho impõem um debate mais alongado no Congresso.

Originalmente, a MP 1.045 objetivava facilitar a contratação e qualificação de jovens pelas empresas enquanto durar a pandemia de covid-19. Era um bom propósito. Porém, membros do próprio governo federal começaram a inserir seus “jabutis” no texto original. Os ministros da Economia, Paulo Guedes, e do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, acrescentaram alguns dispositivos na MP que alteravam substancialmente a CLT, mudanças que já acalentavam havia algum tempo, mas que, a rigor, deveriam ser objeto de projetos de lei ou até mesmo de Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

Na Câmara, a MP foi alterada com ainda mais volúpia. O texto apresentado pelo Poder Executivo, contendo 24 artigos, foi engordado para 95 artigos e ainda abarcou a criação de nada menos do que três programas de geração de empregos. Em que pese a suposta boa intenção dos deputados, essas mudanças foram bastante questionadas por organizações representantes dos trabalhadores e por especialistas em legislação trabalhista. Um grupo de 15 procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) chegou a divulgar um documento no qual contestava diversos pontos da MP 1.045 e anunciava o ingresso com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) a fim de questionar a constitucionalidade do texto aprovado pelos deputados.

A derrubada do monstrengo em que se tornou a MP 1.045 pelo Senado, sem dúvida, representa mais uma derrota para o governo do presidente Jair Bolsonaro no Congresso. Mostra que a articulação política do presidente ainda está muito distante de algo minimamente coeso e organizado. Também ilustra muito bem a crise de confiança mútua que se instalou entre as duas Casas Legislativas.

O relator do texto no Senado, Confúcio Moura (MDB-RO), propôs alterações de última hora para evitar a derrota, mas a manobra não surtiu efeito. Os senadores temiam, não sem razão, que as mudanças feitas na Casa não seriam respeitadas quando a matéria voltasse para a Câmara. Nem a promessa do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), de que “entregaria o cargo” caso os deputados não aceitassem o novo texto, serviu para acalmar os corações desconfiados.

Medidas para melhorar o ambiente econômico e fomentar a criação de empregos são urgentes. Mas isso deve ser feito com a devida responsabilidade e amplo debate entre os mais afetados. Como convém em uma democracia.