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O STF em 2020

Mais do que controlar outros Poderes, a Justiça tem o desafio de controlar a si mesma

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Por Notas & Informações
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Na inauguração dos trabalhos do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Dias Toffoli destacou a agenda de 2020, a produtividade do Judiciário e em particular o seu “objetivo primordial na atual quadra da história do País”, a saber: “Gerar confiança, previsibilidade e segurança jurídica”. Após um 2019 turbulento, o aceno à serenidade é importante, mas transmitido como recado ao presidente da República e sobretudo ao próximo presidente da Corte.

Segundo Toffoli, “nosso Judiciário é um dos mais produtivos do mundo”. Após 15 anos de crescimento dos processos em tramitação, eles foram reduzidos em 1 milhão, chegando ao menor acervo em duas décadas. Esta eficiência está para ser testada. Enquanto Planalto e Congresso preparam uma reforma do funcionalismo, de antemão contestada pelas corporações judiciais, o Judiciário, que em 2019 rompeu seu teto de gastos em R$ 2,3 bilhões, precisará fazer cortes expressivos para se adequar ao limite de 2020.

Em comparação às pautas de 2019, como a criminalização da homofobia, a prisão após segunda instância ou o compartilhamento de dados sigilosos da Receita com o Ministério Público, a agenda de 2020 é menos polêmica, mas nem por isso menos desafiadora. Questões como a incidência do ICMS na base de cálculo do PIS-Cofins, a tabela do frete rodoviário, a distribuição dos royalties de petróleo e as ações contra a Reforma Trabalhista são menos inflamáveis, mas podem ter imenso impacto econômico e fiscal.

A maior expectativa, contudo, é que o Supremo e, por extensão, o Judiciário sejam efetivamente vetores de estabilidade e segurança. Em nome da previsibilidade, uma das promessas de Toffoli para a sua gestão foi a divulgação antecipada da pauta de julgamentos. Mas ele mesmo não hesitou em retirar da pauta casos importantes sem maiores justificativas. O ministro costuma afirmar que o diálogo com os outros Poderes foi central em sua gestão. Isso é desejável como linha de princípio, mas o STF precisa estar pronto a enquadrar um Executivo que, por inépcia ou voluntarismo, transgride reiteradamente seus limites constitucionais. Em 2019, quase 100 ações foram levadas à Corte questionando atos do presidente da República e seus ministros, mas poucas foram decididas.

Mais do que o controle sobre os outros Poderes, contudo, pesa sobre a Justiça o desafio de controlar a si mesma. No mesmo dia da inauguração do ano judicial, o ministro Ricardo Lewandowski, em artigo na Folha de S.Paulo, chamou a atenção para a reação da sociedade aos “excessos praticados no passado recente por alguns juízes, policiais e membros do Ministério Público, restringindo direitos e garantias dos acusados em inquéritos ou ações penais”. Uma das reações mais significativas, que foi e será contestada por muitos juízes e procuradores, foi a Lei de Abuso de Autoridade. Outra foi a criação do juiz das garantias.

Emblematicamente, o juiz das garantias deu ensejo a um dos episódios mais acintosos de abuso institucional por parte de um ministro do Supremo, no caso, o próximo presidente, Luiz Fux, que, revogando uma liminar do próprio Toffoli, suspendeu arbitrariamente a eficácia do dispositivo aprovado pelo Congresso. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, classificou a manobra de “desrespeitosa” com o Congresso, o presidente da República e o próprio presidente da Corte. O ministro Marco Aurélio Mello afirmou que ela “desgasta barbaramente” o STF. “A autofagia é péssima, conduz à insegurança jurídica”, disse à época, e recentemente reiterou: “Eu não compreendo a existência de três Supremos, muito menos de 11 Supremos”. Parece incrível que “na atual quadra do País” o colegiado tenha de mostrar convincentemente à população que existe apenas um Supremo. Mais incrível é que, dados os caprichos e idiossincrasias cultivados por ministros, não há como prever se conseguirá.