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O tamanho do problema

Talvez a única vantagem da reforma proposta pelo governo é ter colocado a bola em jogo

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Por Notas & Informações
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O Estado brasileiro gasta muito. Mas, sobretudo, gasta mal. Uma boa reforma administrativa deve focar na modernização de uma máquina disfuncional, a fim de prestar com eficiência os serviços necessários aos cidadãos. Subsidiariamente, isso terá um ganho fiscal. Sem entrar no mérito da qualidade e da envergadura da proposta apresentada pelo governo, uma projeção do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre as despesas com pessoal no setor público permite vislumbrar o tamanho do problema.

Os gastos com pessoal são o segundo item de maior peso no Orçamento da União, respondendo por 22% do total de despesas primárias do governo. Isso corresponde a 4,3% do PIB, atrás apenas dos gastos previdenciários (8,6%). Nos Estados, este gasto corresponde a 56,3% das despesas totais.

Pelos cálculos do Ipea, as medidas de controle nos gastos com pessoal e as alterações em discussão na reforma do governo podem resultar em uma economia para União, Estados e municípios entre R$ 673 bilhões e R$ 816 bilhões em dez anos. Note-se, contudo, que a parte mais expressiva do montante viria do congelamento de salários por dois anos, já aprovado pelo Congresso em razão da pandemia – algo entre R$ 470,7 bilhões e R$ 503,3 bilhões. Só o restante caberia às reformas, a depender do alcance de três fatores: a taxa de reposição dos servidores aposentados; o salário de ingresso dos novos servidores e a velocidade com que estes atingem o topo da carreira.

Em comum, os cenários projetados pelo Ipea consideram uma redução de 30% no salário inicial e o dobro do tempo para chegar ao topo. São medidas indispensáveis para a redução de disparidades em relação ao setor privado e para motivar os servidores na busca por produtividade para a progressão na carreira.

As variações dependem, sobretudo, da taxa de reposição, que pode oscilar de 100% (para cada funcionário que sai entra imediatamente outro) até 50%, além do alcance em relação a servidores não estatutários. O controle da taxa de reposição depende do ritmo de realização de concursos públicos e nomeações dos aprovados. É uma medida de cunho fundamentalmente administrativo, e no curto prazo, dadas as dificuldades de ajuste das contas públicas agravadas com a pandemia, é uma política razoável.

Mas isso depende da probidade e eficiência do poder público. Antes de tudo, é preciso resistir às pressões dos grupos de interesses corporativos. Depois, é necessária a justa e precisa avaliação das carências e necessidades de cada órgão. Por fim, é indispensável a continuidade dos esforços para a digitalização e automação dos serviços públicos; melhor alocação dos recursos humanos, por meio do aumento da flexibilidade e mobilidade dos servidores; e a estruturação de incentivos à maior produtividade e eficiência.

Tudo somado, o ganho fiscal das reformas propostas é modesto. Mesmo assim, as projeções do Ipea podem se mostrar demasiado otimistas. Primeiro, porque não está claro como a reforma promoverá esses ganhos de produtividade dos quais depende a flexibilização da taxa de reposição. Depois, porque os cálculos incluem membros dos outros Poderes (como juízes, desembargadores, procuradores e parlamentares) deixados de fora da proposta inicial. Por fim, há a própria vontade política do governo, que até o momento foi irresoluta, quando não recalcitrante.

O problema, como mostra o Ipea, é grande. Mas a solução proposta pelo governo é acanhada. Tal como está, a reforma, se ocorrer, trará algum ganho fiscal, mas não muito em eficiência. De resto, não ataca pontos que, da perspectiva da moralidade pública, são talvez os mais graves: os privilégios do setor público em relação ao privado e as disparidades entre a elite e a base do funcionalismo. No todo, sua maior vantagem – talvez a única – é ter colocado a bola em jogo. Agora há ao menos uma base concreta sobre a qual o Congresso pode negociar e a sociedade se mobilizar. Mas ainda é exígua. Se o nível de ambição não aumentar, o País talvez gaste um pouco menos, mas continuará gastando muito mal. Quanto à população, seguirá desassistida.