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O tempo do Legislativo

A precipitação na atividade parlamentar não é funcional, não é inteligente

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Por Notas & Informações
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Dois recentes movimentos da Câmara evidenciam como a atividade parlamentar requer calma e reflexão. A função legislativa, ao contrário do que muitos pensam, não é dar respostas imediatas aos problemas do País. A lei deve ser a resposta adequada, apta a perdurar ao longo do tempo – e isso não se consegue sem a devida maturação dos temas.

Um Poder Legislativo que atua apressadamente estará sempre instado a correr ainda mais, pois, junto às suas muitas tarefas habituais, terá ainda de corrigir os erros que seu afobamento continuamente gerará. A precipitação na atividade parlamentar não é funcional, não é inteligente.

No dia 4 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que revoga a Lei de Segurança Nacional (LSN, Lei 7.170/83) e altera o Código Penal, para incluir crimes contra o Estado Democrático de Direito.

A necessidade de rever a LSN não é um tema novo. Tanto é assim que a proposta aprovada reúne projetos elaborados em 1991 e 2002. No entanto, esses projetos estavam havia muito tempo parados. O assunto voltou à baila com o governo de Jair Bolsonaro.

A pedido do Ministério da Justiça, inquéritos com base na Lei 7.170/83 foram abertos com o intuito de intimidar opositores políticos. Para essa manobra – claramente inconstitucional –, o governo federal recorreu ao art. 26 da LSN, que prevê pena de reclusão de um a quatro anos para quem caluniar ou difamar o presidente da República. A partir de uma interpretação abusiva do texto legal, o Executivo federal queria recriar o crime de maldizer o rei.

Por causa desses abusos, o debate sobre a recepção da LSN pela Constituição de 1988 voltou à cena pública. Surgiram vozes pedindo que o Supremo Tribunal Federal (STF) alterasse sua orientação, declarando inconstitucional a Lei 7.170/83. Nesse cenário, o Congresso – a quem de fato cabe ponderar sobre a revisão da LSN – adiantou-se e, a partir de antigos projetos, pôs em tramitação uma proposta de lei, aprovada agora pela Câmara e encaminhada ao Senado.

A pressa foi tanta que o texto aprovado pelos deputados continua mantendo, por exemplo, incriminação especial para as ofensas contra a honra de algumas autoridades – precisamente o tema que deu margem aos abusos do governo federal. Seria um equívoco que a nova legislação em defesa do Estado Democrático de Direito, que deve proteger o funcionamento das instituições, incluísse a defesa da honorabilidade das instituições e suas autoridades, o que depois poderia ser usado para limitar a liberdade de expressão e criminalizar a manifestação de opinião.

Os abusos cometidos pelo governo federal com base na LSN são graves, mas uma açodada atuação do Congresso não vai resolvê-los. O Estado Democrático de Direito dispõe de meios, em especial com o Ministério Público e o Judiciário, para trancar inquéritos abusivos.

O segundo caso de pressa da Câmara foi ainda mais grave. Felizmente corrigiu-se a tempo. Contrariados com a atuação do STF, alguns parlamentares queriam alterar a Lei 1.079/50, para incluir, entre os crimes de responsabilidade, a conduta, por parte de ministro do Supremo, de “usurpar competência do Congresso Nacional”. O objetivo da proposta, rejeitada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, era criminalizar decisões do STF que extrapolam as atribuições do Judiciário.

Não há dúvida de que o Supremo extrapolou suas funções constitucionais em alguns casos, com interpretações irrazoavelmente amplas. Mas a correção desses equívocos não virá pela ampliação dos crimes de responsabilidade, menos ainda pela criminalização da livre atividade jurisdicional. Há remédios constitucionais mais eficazes (por exemplo, o Senado realizar de forma mais efetiva a sabatina dos indicados ao Supremo) e que não trazem desequilíbrios institucionais. Um Judiciário refém das pressões do Legislativo e do Executivo é tremendamente prejudicial para o País.

O Congresso não deve ser lento, tampouco omisso. Mas seu trabalho exige pensar com cuidado os problemas e as soluções. Caso contrário, suas soluções produzem novos problemas.