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O tom presidencial

É muito preocupante que o presidente da República minta para a Nação por algo absolutamente comezinho

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Por Notas & Informações
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Os norte-americanos têm uma forma particular de descrever o comportamento que esperam de seus líderes mais graduados: to act presidential, ou “agir como um presidente”, em tradução livre. A expressão contempla a aura de dignidade intrínseca da Presidência da República e o comportamento institucional, altivo, magnânimo e eivado de espírito público que devem marcar as palavras e as ações de seus ocupantes.

Pouco há de presidencial no comportamento de Donald Trump nos Estados Unidos, a começar pelo tratamento desrespeitoso que devota a seus adversários políticos. Hillary Clinton, candidata democrata derrotada na última eleição, é descrita por Trump como Crooked Hillary, algo como “Desonesta Hillary”. O senador Bernie Sanders, que recentemente lançou sua pré-candidatura à presidência em 2020 pelo Partido Democrata, é desqualificado como Crazy Bernie pelo presidente dos Estados Unidos. Dispensa tradução.

O presidente Jair Bolsonaro parece emular seu colega americano, de quem é um declarado admirador, até nesse agir antipresidencial. Não se pode chegar a outra conclusão após a audição das conversas entre o presidente e Gustavo Bebianno, ex-secretário-geral da Presidência.

As conversas entre os dois, por mensagens de voz e texto, foram divulgadas pela revista Veja na terça-feira passada após a atrapalhada demissão de Bebianno. Revelam um presidente inseguro, um chefe do Poder Executivo que ainda se mantém aferrado à condição de candidato e, portanto, não consegue ter a dimensão exata do cargo que ocupa e do que dele se espera. Mas de tudo o que se leu e ouviu das conversas entre o presidente da República e um ex-subordinado, o mais grave é a constatação de que Jair Bolsonaro mentiu aos brasileiros sobre a inexistência das tais conversas entre os dois, o ponto central do processo que levou à demissão de seu ex-auxiliar.

É muito preocupante que o presidente da República minta para a Nação por algo absolutamente comezinho. Ora, Gustavo Bebianno nem de longe era uma peça fundamental para o sucesso ou para o fracasso do governo de Jair Bolsonaro e, consequentemente, para os bons rumos do País. Tivesse a capacidade de agir de forma presidencial, Jair Bolsonaro não precisaria usar dos artifícios que usou para demitir um subordinado. Convém lembrar que é prerrogativa do presidente da República nomear e demitir seus auxiliares diretos. Uma audiência entre os dois seria o bastante. Sem alarde, sem confusão e, sobretudo, sem mentira.

A mentira, como revela o teor das mensagens trocadas entre Bolsonaro e Bebianno no dia 12 de fevereiro, prestou-se tão somente a dar sustentação a uma tese engendrada pelo presidente e seu segundo filho, o vereador Carlos Bolsonaro, ainda no período de convalescença do presidente no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Ao que parece, Jair Bolsonaro quis criar o ambiente para exonerar Gustavo Bebianno sabe-se lá por que razões. A tese de que Bebianno, um de seus mais antigos colaboradores, era um “mentiroso” por dizer que conversou com o presidente da República quando conversas não teriam havido foi propalada por seu filho Carlos Bolsonaro no Twitter. Vale dizer, o presidente mentiu por razões familiares, e não políticas, pois politicamente ele não precisava de qualquer justificativa para demitir um de seus ministros. Bastaria chamar o ministro, cientificá-lo da decisão e pronto.

A trapalhada, seja fruto de inabilidade, seja fruto de ardil, criou uma crise patética para o governo no segundo mês de mandato de Jair Bolsonaro e na véspera da apresentação ao Congresso da reforma da Previdência e do pacote anticrime do Ministério da Justiça e da Segurança Pública. 

Não era esperado que Jair Bolsonaro mudasse sua natureza ao assumir a Presidência da República. Esperava-se, isso sim, que abandonasse o papel de candidato populista e adotasse um tom presidencial em suas ações. Agora, espera-se menos. Apenas que não minta à Nação.