Imagem ex-librisOpinião do Estadão

O único caminho

É preciso resistir a soluções fáceis como aumentar sem controle o endividamento

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Por Notas & Informações
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A crise causada pela pandemia de covid-19 atingiu o mundo inteiro, mas países como o Brasil, com grande desigualdade e problemas estruturais crônicos, sentiram mais os devastadores efeitos econômicos e sociais e provavelmente terão mais trabalho para superá-la. Por isso mesmo, é preciso resistir à tentação de soluções fáceis, como aumentar descontroladamente o endividamento do Estado para injetar ânimo na economia. Tais medidas, se de imediato podem gerar algum efeito positivo, no longo prazo arruínam os fundamentos que hoje, bem ou mal, evitam o completo colapso da economia nacional.

Assim, a solução, em paralelo aos esforços para dar fôlego às famílias que perderam renda na pandemia e às empresas que da noite para o dia tiveram que fechar suas portas em razão da quarentena, é a união de esforços do governo e do Congresso para entregar reformas cruciais. 

O clima não poderia ser mais propício: em entrevista ao Estado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, mostrou que as lideranças parlamentares estão conscientes de que o roteiro para sair da crise começa pelo enfrentamento de problemas estruturais, que impedem o País de crescer conforme seu potencial, com ou sem pandemia. “Não tem outro caminho. Se o investidor não olhar a realização de grandes reformas, além do meio ambiente, o Brasil nunca vai ser prioridade. Não podemos esquecer que o Brasil precisa muito dos investidores externos para poder ter um ciclo de investimento sustentável”, disse Rodrigo Maia.

As reformas trabalhista e previdenciária foram um bom começo para gerar essa confiança, mas ainda há muito a fazer. Há em andamento no Congresso algumas propostas de reforma tributária, oriundas de projetos de parlamentares, e não do governo. Pressionado a participar das discussões, o governo parece centrar fogo numa solução fácil – a volta da CPMF sob algum disfarce – e envia sinais confusos sobre suas intenções.

Está no governo também o maior empecilho à reforma administrativa, que deveria ser tratada como prioritária antes mesmo da reforma tributária e que, no entanto, ficou para o ano que vem – se houver. Rodrigo Maia chamou a atenção para o problema gerado por essa procrastinação: não é possível discutir os impostos que financiam o Estado sem antes saber que tamanho deve ter esse Estado, quais as suas funções e o que se espera do serviço por ele prestado. “Por isso a reforma administrativa é tão importante”, disse o presidente da Câmara. “Pagamos muito imposto e a produtividade do setor público não existe. A média do salário dos servidores públicos é o dobro do setor privado. Isso é uma distorção.”

Outra distorção significativa é o peso da folha salarial do funcionalismo. Um estudo do Instituto Millenium constatou que a soma dos vencimentos do serviço público da União, dos Estados e dos municípios em 2019 foi equivalente a 13,7% do PIB, enquanto os gastos com saúde chegaram a 3,9% do PIB e o dispêndio com educação, a 6%.

Esses números dão a noção exata da inversão de prioridades no País, fenômeno que drena recursos cruciais para o desenvolvimento sustentável. A solução obviamente é uma profunda reestruturação do chamado “RH do Estado”, mas essa reforma deve obrigatoriamente partir do governo federal – e o presidente Jair Bolsonaro, cuja base eleitoral é formada em parte por servidores públicos, já avisou que vai demorar a tratar do assunto.

Enquanto isso, esse mesmo governo começa a articular maneiras de driblar o teto de gastos, mecanismo que confere realismo ao Orçamento. Tudo em nome da recuperação do País – ou da popularidade do presidente, o que, para os estrategistas do Palácio do Planalto, dá no mesmo.

Mas essa disposição perdulária encontrará resistência no Congresso. Rodrigo Maia deixou claro que “o governo não pode querer usar o Parlamento como instrumento dessas soluções heterodoxas”. Assim, em poucas palavras, o presidente da Câmara mostrou que, por ora, não há no Congresso disposição para aventuras populistas. O único caminho para sair da crise é o mais árduo – sem truques nem atalhos.