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O vasto ecossistema dos crimes ambientais

Levantamento mostra que ramificações das atividades ilícitas na Amazônia atingem 23 Estados; ou seja, combater o crime na floresta muitas vezes significa olhar para longe dela

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Por Notas & Informações
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A devastação da Amazônia tem ramificações e envolve atividades ilegais em pelo menos 254 cidades brasileiras de 23 Estados e no Distrito Federal. É o que aponta um recém-lançado estudo do Instituto Igarapé, que analisou mais de 300 operações realizadas pela Polícia Federal entre 2016 e 2021. Embora as ações policiais fizessem parte da repressão a crimes ambientais na Amazônia Legal, elas revelaram uma rede de outras ilegalidades, como fraudes, sonegação de impostos e lavagem de dinheiro, em boa parte do território nacional e em países vizinhos, além de tráfico de drogas, de pessoas, de armas e de animais, homicídios e agressões. 

O estudo desvela o verdadeiro emaranhado de crimes associados à devastação da floresta e à degradação do meio ambiente na Amazônia. De um lado, nos limites da Amazônia Legal, há a prática de crimes ambientais: desmatamento e extração ilegal de madeira, produção agropecuária com passivo ambiental e mineração ilegal, não raro com grilagem de terras públicas. De outro, há o transporte e comercialização de produtos com origem criminosa, o que ultrapassa os limites geográficos da Amazônia e enseja todo tipo de ilegalidade, como corrupção de agentes públicos, falsificação de documentos, contrabando e posse ilegal de armas e explosivos.

É o que os pesquisadores do Instituto Igarapé chamam de ecossistema do crime ambiental na Amazônia: uma série de atividades econômicas ilegais que se complementam e superpõem, sob o comando de organizações criminosas que movimentam fortunas no Brasil e no exterior. Um infográfico elaborado para sintetizar esse ecossistema criminoso lista mais de 20 práticas ilegais. 

O estudo leva o título de Territórios e caminhos do crime ambiental na Amazônia brasileira: da floresta às demais cidades do país. Foi lançado no último dia 20 de julho e faz parte do esforço do Instituto Igarapé, organização sem fins lucrativos que atua como think tank nas áreas de segurança, clima e desenvolvimento, para mapear e compreender como se dá a destruição da selva. O primeiro relatório foi divulgado em fevereiro.

Por tudo o que o instituto publicou até o momento, fica evidente que a preservação da maior floresta tropical do mundo requer uma combinação de ações repressivas e preventivas tanto in loco, onde a devastação efetivamente tem lugar, quanto em municípios localizados a milhares de quilômetros de muitos desses crimes. Um deles é São Paulo, a maior cidade do País. “São Paulo é um grande hub de conexões do que está acontecendo na Bacia Amazônica”, disse a presidente e cofundadora do Igarapé, Ilona Szabó de Carvalho, em entrevista ao Valor.

O raciocínio é simples: as riquezas geradas na Amazônia a partir de crimes ambientais integram cadeias produtivas que, direta ou indiretamente, tiram proveito da destruição da floresta. Seja o ouro de garimpos ilegais, a madeira de origem ilícita ou a produção agropecuária de áreas griladas ou desmatadas ilegalmente, esses produtos alimentam mercados dentro e fora da Amazônia. “São CNPJs que compram estes produtos com passivo ambiental enorme, cadeias de suprimento sujas com ilegalidades e muitas violações aos direitos humanos”, afirmou Ilona na mesma entrevista, ressalvando o caso da pecuária − setor destacado por ela como exceção à regra, por estar sujeito a maior controle para fins de exportação. Ilona arrematou: “Não tem como essas economias ilícitas operarem sem o setor privado e o setor financeiro estarem envolvidos”.

Ao expor o ecossistema dos crimes ambientais na Amazônia, o estudo do Instituto Igarapé deixa claro que a preservação ambiental requer ações em múltiplas frentes. A fiscalização da floresta e de seus rios por órgãos ambientais, com imagens de satélite e atuação firme das polícias, do Ministério Público e da Justiça, é indispensável. Mas não basta. É preciso ir atrás de quem compra e negocia produtos com origem em crimes ambientais, o que, muitas vezes, exige voltar os olhos para longe da floresta.