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O vírus nas contas externas

Dólares continuam suficientes, mas é bom evitar ações políticas desastradas

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Por Notas & Informações
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Para o bem e para o mal, o coronavírus mexeu nas contas externas do Brasil em março, devorando reservas, diminuindo viagens para fora e invertendo a mão dos investimentos entre matrizes no Brasil e filiais no exterior. O resultado geral do mês foi até positivo, com superávit de US$ 868 milhões, um número mais apreciável quando comparado com o saldo de março de 2019, um déficit de US$ 2,66 bilhões. Comemorar seria um exagero, porque a crise internacional é profunda e há muita insegurança nos mercados. Mas é possível anotar alguns dados positivos. O investimento direto continua mais que suficiente para cobrir o buraco nas transações correntes, o endividamento em moeda estrangeira é moderado e o risco de grandes problemas cambiais parece distante.

O superávit comercial, de US$ 4,19 bilhões, foi o principal pilar das contas, em março, como tem ocorrido normalmente. Esse resultado foi garantido, como também tem sido normal, pelo saldo positivo do agronegócio, o principal pilar do comércio exterior brasileiro.

Esse pilar seria muito mais fraco, ou talvez se tivesse esboroado, sem o esforço da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, para remediar as agressões do presidente Jair Bolsonaro, de seus filhos e até do ministro da Educação a alguns dos maiores compradores de alimentos e outros produtos da agropecuária brasileira. A China, maior importadora desses produtos, tem sido o alvo mais frequente desses ataques.

Também a ministra tem sido atacada e pediu ajuda, recentemente, ao presidente Jair Bolsonaro. O Ministério da Agricultura, há algumas décadas um dos mais eficientes, tem mantido essa posição, e até de modo mais diferenciado, na atual administração federal. Interferências desastradas no setor agropecuário, especialmente em seu comércio externo, podem abalar severamente a segurança cambial do Brasil. Erros nessa área podem rapidamente resultar em perdas de muitos bilhões de dólares de receita comercial.

Resultados positivos, como o do mês passado, são eventos ocasionais quando se trata das transações correntes. O saldo acumulado no primeiro trimestre foi um déficit de US$ 15,24 bilhões, pouco maior que o do trimestre anterior, de US$ 15,04 bilhões. Os US$ 19,23 bilhões de investimento direto nesse período foram mais que suficientes, como tem ocorrido há vários anos, para compensar o saldo negativo.

As transações correntes incluem a balança comercial de bens, a conta de serviços (itens como fretes, viagens, seguros e aluguéis de equipamentos) e o movimento de rendas (juros, lucros, dividendos e remessas unilaterais). Essas transações sintetizam o intercâmbio com o exterior. No Brasil, a balança comercial, geralmente positiva, compensa em parte os saldos negativos de serviços e rendas e mantém o conjunto em condições administráveis. O investimento direto é a melhor forma de cobrir o déficit geral.

Esse déficit continuou moderado nos 12 meses até março. Ficou em US$ 49,65 bilhões, pouco abaixo do registrado até fevereiro (US$ 53,18 bilhões), e foi coberto por US$ 79,51 bilhões de investimentos diretos. Apesar do baixo crescimento a partir de 2017, depois da recessão, esse dinheiro tem sido mais que suficiente. Mesmo a crise provocada pela pandemia foi menos danosa, quanto a esse ponto, do que se podia temer até há pouco tempo.

Sem pânico, é indispensável manter a atenção às condições externas. Em março entraram US$ 7,62 bilhões de investimento direto. A maior parte, US$ 4 bilhões, correspondeu a investimento reverso, dinheiro de filial no exterior para matriz no Brasil. O investimento em 12 meses continua mais que suficiente, mas os próximos meses serão perigosos. Reservas, ainda satisfatórias, caíram para US$ 342,2 bilhões em março, com redução de US$ 19,3 bilhões em um mês. A perda resultou de vendas efetuadas pelo BC para atenuar a instabilidade cambial, efeito da insegurança nos mercados. A travessia até o fim do ano será difícil e o País precisará de uma condução econômica segura, sem intervenções desastradas, portanto, do Palácio do Planalto.