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Os cargos do Ministério Público

Há desrespeito a garantias e prerrogativas estabelecidas pela Constituição

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Por Notas & Informações
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Recentemente julgado pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3), um habeas corpus joga luzes sobre uma realidade preocupante. Responsável pela defesa da ordem jurídica, o Ministério Público, no seu próprio funcionamento interno, não tem cumprido a lei. Mais do que simples desobediência a procedimentos formais – o que, por força de sua missão institucional, já seria grave –, o que se vê é um desrespeito a garantias e prerrogativas estabelecidas pela própria Constituição.

No processo, o TRF-3 constatou que um membro do Ministério Público, sem a devida atribuição funcional, instaurou inquérito civil público contra algumas empresas. Uma vez que a atuação do procurador no caso se deu à margem da lei, a investigação foi anulada pelo tribunal. A gravidade da situação, no entanto, vai muito além da atuação individual do procurador. Foi a própria Procuradoria-Geral da República (PGR) que deu causa à falta de competência, editando à revelia da lei portarias sobre o preenchimento de cargos. No caso, houve um vício na designação do procurador regional dos direitos do cidadão.

Entre as garantias que devem ser observadas no funcionamento do Ministério Público, a Constituição estabelece a inamovibilidade. Para garantir sua independência funcional, um procurador não pode ser removido do cargo “salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa”, diz a Constituição.

“Em prol da sociedade e dos integrantes dos Ministérios Públicos, o regime constitucional veta a precarização das funções ministeriais – o seu exercício pro tempore –, para assegurar a independência funcional”, disse o desembargador Fábio Prieto em seu voto. No entanto, a PGR tem designado procuradores por mandatos com tempo determinado. No caso, a Portaria 145/2009 da PGR designou o procurador regional dos direitos do cidadão para um mandato de dois anos. Vale lembrar que a Lei Complementar 75/1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público, não estabelece nenhum tipo de prazo ou de rodízio para a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão.

Além disso, muitas vezes, na definição de quem vai ocupar cada cargo dentro do Ministério Público, os critérios de antiguidade e de merecimento – que aportam objetividade nessa escolha – não estão sendo respeitados. Tem sido frequente que a escolha se dê por meio de uma eleição interna, para a qual não há previsão legal. Tal procedimento eleitoral subverte as garantias constitucionais de independência do Ministério Público. É promovido – ganha poder dentro da instituição – quem agrada aos seus pares, como se a instituição existisse para servir aos seus membros, e não à sociedade. Assim, de uma instituição faz-se uma corporação. 

“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, antes ou depois da Constituição de 1988, sempre zelou pela observância dos critérios da antiguidade ou do merecimento, para a promoção ou a remoção de juízes e integrantes do Ministério Público”, lembrou o desembargador Prieto em seu voto. A menção à jurisprudência traz ao tema um dado importante. Não é a primeira vez que a Justiça afirma que esse modo de preencher os cargos dentro do Ministério Público – por eleição e com mandato – contraria a lei. Por exemplo, em 2011, o TRF-3 proferiu decisão no mesmo sentido, em processo envolvendo a designação de procurador regional dos direitos do cidadão. Não tendo sido alterada pelas cortes superiores, a decisão transitou em julgado. As práticas do Ministério Público permaneceram, no entanto, as mesmas.

O Ministério Público deve se alinhar à lei, funcionando em conformidade com as garantias previstas na Constituição. Sua missão de defesa da ordem jurídica e do regime democrático não combina com a submissão a interesses e ritos corporativistas. Para que possa servir de fato à sociedade, o Ministério Público deve estar apenas sob um único jugo, o da lei.