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Os espasmos de um governo fraco

Com ameaça, Jair Bolsonaro confirma definhamento político, algo que nenhum arreganho travestido de advertência militar é capaz de reverter

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Por Notas & Informações
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O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, mandou dizer ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que não haverá eleições no ano que vem se não houver voto “auditável”, com comprovante impresso, conforme revelou reportagem do Estado publicada ontem. Quando fez a advertência, Braga Netto estava acompanhado dos chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Não é a primeira vez que o governo de Jair Bolsonaro faz esse tipo de ameaça golpista. O próprio presidente, no dia 8 passado, mesmo dia em que Braga Netto passou seu perigoso recado, declarou: “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”. Para Jair Bolsonaro, a eleição só será “limpa” se for com o tal voto impresso, que o Congresso tende a rejeitar.

Como se sabe, a defesa do voto “auditável” é pretexto de Bolsonaro para anunciar, com meses de antecipação, que não aceitará o resultado das eleições do próximo ano caso seja derrotado. Ao se envolver nessa ameaça, o ministro Braga Netto, general da reserva, arrasta os militares perigosamente para o centro da crise – e, mais do que nunca, o que se espera é que os comandantes das Forças Armadas, que não são políticos nem devem ter compromisso com este ou aquele governo, devem se esforçar para deixar claro seu respeito pela democracia, diferenciando-se dos liberticidas bolsonaristas.

No entanto, esses mesmos comandantes, dois dias antes da ameaça de Braga Netto, deixaram subentendida a possibilidade de uma ruptura institucional, em uma nota do Ministério da Defesa em repúdio ao presidente da CPI da Pandemia, senador Omar Aziz, depois que este disse haver um “lado podre nas Forças Armadas envolvido na falcatrua dentro do governo”. Na nota, os comandantes e o ministro da Defesa dizem que as Forças Armadas “não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”.

O fato é que os militares da ativa e da reserva hoje no governo pleiteiam o melhor dos dois mundos: querem o bônus do poder sem o ônus do escrutínio democrático. E, com ambições diversas, se deixam usar por Bolsonaro para chantagear os brasileiros, o que é, isso sim, fator de risco à democracia e à liberdade que os militares dizem defender.

Na nota em que pretendeu negar as informações publicadas pelo Estado a respeito de suas ameaças, o ministro Braga Netto reiterou a defesa do tal voto impresso. “Acredito que todo cidadão deseja a maior transparência e legitimidade no processo de escolha de seus representantes”, disse Braga Netto na mensagem, sem explicar, no entanto, o que o Ministério da Defesa tem a ver com o sistema de votação.

O fato, incontornável, é que Bolsonaro investe na crise do voto “auditável”, enredando os militares, para tentar esconder a extrema fragilidade de seu governo. Não parece ser por acaso que o atrito protagonizado pelo ministro da Defesa, tendo os comandantes das Forças Armadas como coadjuvantes, tenha ocorrido na semana em que Bolsonaro deu a Casa Civil, centro nervoso do governo, ao líder mais relevante do Centrão, o senador Ciro Nogueira (PP-PI). Com isso, o Centrão, que já colonizava o governo, passa efetivamente a comandá-lo.

Ao Centrão, que agora dispõe de dedos e anéis, não interessa a crônica baderna bolsonarista, razão pela qual o presidente da Câmara, Arthur Lira, depois de receber o recado ameaçador do ministro Braga Netto, disse a Bolsonaro que continua disposto a apoiá-lo, mas avisou que não dará aval a nenhuma aventura golpista.

No entanto, a natureza de Bolsonaro sempre fala mais alto, e o presidente voltou a dizer que não aceitará o resultado da eleição se for mantido o atual sistema de votação, sugerindo que a Justiça Eleitoral opera fraudes em segredo. “Não posso admitir que meia dúzia de pessoas tenha a chave criptográfica de tudo e, de forma secreta, conte votos numa sala secreta lá no Tribunal Superior Eleitoral”, declarou o presidente à Rádio Banda B, de Curitiba.

Ao reiterar suas ameaças, Bolsonaro apenas confirma seu definhamento político, algo que nenhum arreganho travestido de advertência militar é capaz de reverter.