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Os impostos da inflação

Alta de preços é mais um canal para levar dinheiro das famílias para o setor governo

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Por Notas&Informações
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Muito ruim para o bolso do consumidor, a inflação acelerada está ajudando a encher os cofres da União e dos Estados. No caso dos governos estaduais o benefício é até fácil de perceber. Sua arrecadação depende principalmente de um tributo cobrado sobre o consumo, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Cada aumento de preço no supermercado, ou em qualquer loja, prejudica imediatamente o comprador e engorda a receita tributária. Depois das enormes perdas de 2020, quando a pandemia arrasou os negócios, derrubou a tributação e ainda forçou despesas extraordinárias, a administração volta a recolher volumes significativos de impostos e contribuições. Essa recuperação é favorecida por dois fatores, a retomada econômica e a forte elevação dos preços.

Apesar do aumento da produção e das vendas, a recuperação da economia continua incompleta. Em maio, a indústria voltou ao nível de fevereiro do ano passado, último mês antes do grande choque da pandemia. O comércio varejista reagiu mais velozmente. Suas vendas em maio já superaram por 3,9% o patamar pré-pandêmico, mas depois de fortes oscilações desde outubro e com desempenhos muito diferentes entre os segmentos de lojas. No caso da indústria, o último crescimento mensal – de 1,4% de abril para maio – ocorreu depois de três meses de quedas consecutivas. O setor de serviços também se recupera, mas com resultado negativo (-2,2%) nos 12 meses até maio.

Apesar desse desempenho diversificado, com alguns setores ainda em busca da recuperação, a receita do ICMS já superou por R$ 45,1 bilhões, nos primeiros cinco meses, o período correspondente de 2019, ano anterior à crise de saúde, com aumento real de 10,9%. No caso do governo federal, o ganho em relação a 2019 chegou a R$ 96,1 bilhões, com avanço de 4%, descontada a inflação. De janeiro a maio deste ano a receita do ICMS chegou a R$ 249,9 bilhões e a arrecadação federal, a R$ 759,5 bilhões. Os aumentos sobre a base de 2020 foram de 16,1%, no caso dos Estados, e de 16,5%, no da União.

A recuperação dos negócios, já observada em todos os grandes setores, seria insuficiente para proporcionar todo esse ganho fiscal. A arrecadação foi reforçada pelo aumento de preços e, em alguns casos, também pela oscilação cambial, isto é, pela alta do dólar, como têm reconhecido técnicos e autoridades da área fiscal.

Com a boa surpresa da arrecadação, o desequilíbrio fiscal tende a diminuir. Além disso, melhoram as perspectivas de evolução da dívida pública. Quando se considera o governo geral, formado pelos três níveis da administração mais o INSS, o risco de uma dívida superior a 90% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim deste ano parece bem menos preocupante. Mas ninguém deveria encarar como folgada a situação das contas públicas.

Uma expansão do investimento – em infraestrutura, talvez, ou em equipamentos de serviços educacionais ou de saúde – será um bom uso do dinheiro, se o ganho fiscal observado até agora for sustentável. Seria arriscado assumir compromissos duradouros. O País atingiu, simplesmente, uma situação fiscal menos precária do que se poderia prever até recentemente. Não alcançou uma boa situação.

Aceitar limitações e valorizar a prudência na gestão pública será especialmente importante nos próximos meses. Com a aproximação de um ano de eleições, ficará mais forte, dia a dia, a tentação de usar o dinheiro público para a conquista de votos. As pressões sobre o ministro da Economia, já muito fortes, tenderão a aumentar. Essas pressões, como tem ocorrido até agora, partirão tanto da chamada base parlamentar quanto de integrantes do Executivo. Será enorme surpresa se o presidente da República impuser amplas barreiras a essas pressões e se fizer um defensor da prudência fiscal.

Acima de tudo será preciso levar em conta um dado essencial: ganho fiscal duradouro e seguro é aquele resultante do crescimento econômico, da boa gestão convertida em rotina e de uma economia saudável e, portanto, sem desajuste inflacionário como o de hoje.