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Os limites da imunidade parlamentar

Preocupação do STF com proliferação de discursos contra as instituições e a democracia é justificada pela despreocupação do Congresso em punir a quebra de decoro de seus membros

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Por Notas&Informações
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Na semana passada, a 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu seis queixas-crime contra o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) por críticas feitas ao senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) e ao ex-deputado, também por Goiás, Alexandre Baldy. Kajuru agora é réu por difamação e injúria (artigos 139 e 140 do Código Penal).

Prevaleceu no julgamento o voto do ministro Gilmar Mendes. Para ele, a imunidade parlamentar não comporta discursos difamatórios, mas apenas declarações vinculadas ao mandato político. Daí, segundo o ministro, não estarem acobertadas por essa imunidade (nem pela liberdade de expressão) as declarações do senador Kajuru, que chamou Baldy de “vigarista” e chefe de uma “quadrilha” no Detran de Goiás. Já Cardoso foi chamado por Kajuru de “inútil” e “idiota incompetente”, além de ter sido acusado de usar o mandato de senador para fazer “negócio”.

O caráter ofensivo e o mau gosto das declarações de Kajuru são inegáveis, e contribuem para o empobrecimento do debate político. O mesmo se afirmaria se o senador tivesse sugerido que um procurador-geral da República é alcoólatra, como já fez o próprio Gilmar Mendes durante sessão do STF, ou se tivesse dito que um colega anda com “capangas”, como fez o ministro Joaquim Barbosa a respeito de Gilmar Mendes também no plenário da Corte.

Como se vê, é necessário distinguir os limites da liberdade de expressão e da imunidade parlamentar. Entretanto, no julgamento de Jorge Kajuru, o Supremo não indicou um critério para separar a crítica ofensiva, mas própria do exercício do mandato (e recorrente na interação parlamentar), da violação aos limites daquela imunidade.

Se algumas das declarações de Kajuru extrapolaram a imunidade parlamentar, o Tribunal deveria tê-las indicado. Se feriram o decoro parlamentar, é o Congresso quem tem de agir. Se apontaram alguma malversação, cabe ao Ministério Público investigar. Por outro lado, se expressões duras como “inútil” ou “pateta bilionário” não podem ser ditas por um parlamentar a respeito de um adversário político do mesmo Estado, sob pena de configurar crime contra a honra, o que os demais cidadãos estariam livres para dizer?

Também é importante separar o caso Jorge Kajuru do caso Daniel Silveira. O parlamentar bolsonarista, diferentemente de Kajuru, não se limitou a qualificações esdrúxulas como “pateta desprezível xumbrega” ou afirmações de que o patrimônio do adversário político foi amealhado num “golpe do baú”.

Daniel Silveira foi condenado não por ter proferido “suas opiniões, palavras e votos” (artigo 53 da Constituição Federal), mas por ameaça ao Estado Democrático de Direito e coação no curso do processo. Num infame vídeo, Silveira, entre outras tantas ameaças, instiga a população a entrar no STF, agarrar o ministro Alexandre de Moraes pelo colarinho, sacudir sua cabeça e jogá-la dentro de uma lixeira. Para o deputado, “qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada” na cara do ministro Edson Fachin, “de preferência após cada refeição, não é crime”.

Essa grande diferença entre as duas situações aponta o exagero cometido pela 2.ª Turma do STF ao afastar a imunidade parlamentar no caso de Kajuru. É verdade que vivemos tempos em que alguns parlamentares se aproveitam dessa imunidade para conturbar a democracia. Ou seja, instalam-se no Parlamento e recorrem à liberdade de atuação parlamentar para defender não a democracia, mas sua supressão (Daniel Silveira, por exemplo, defende o ditatorial Ato Institucional n.º 5).

Daí a preocupação do STF com a proliferação de discursos atentatórios às instituições e à democracia, preocupação que é justificada pela despreocupação do Congresso Nacional em punir a quebra de decoro de seus membros. Ainda assim, o Supremo precisa considerar que seus pronunciamentos sobre a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar não se reportam apenas aos acontecimentos da atualidade; eles também pavimentam a compreensão mais ampla desses institutos, imprescindíveis ao futuro da nossa democracia.