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Os poderes da CPI e os direitos individuais

Ministra Rosa Weber manteve a quebra de sigilo decretada pela CPI da Pandemia

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Por Notas & Informações
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Em junho, a CPI da Pandemia quebrou os sigilos telefônicos e telemáticos do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e de três assessores da Presidência da República, Mateus Matos Diniz, José Matheus Salles Gomes e Tercio Arnaud Tomaz, integrantes do chamado “gabinete do ódio”.

A Advocacia-Geral da União (AGU) protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) um Mandado de Segurança (MS 38.053), pedindo a suspensão da quebra dos sigilos de Tercio Arnaud Tomaz. Entre outros motivos, alegou que a medida seria desproporcional e dependeria de decisão judicial.

É de observar, em primeiro lugar, que o papel constitucional da AGU é a defesa dos interesses da União. A Lei 9.028/1995 autorizou o órgão a representar judicialmente agentes públicos em relação “a atos praticados no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares, no interesse público, especialmente da União”. Ou seja, a AGU apenas pode defender em juízo um servidor público quanto a ato praticado no exercício de suas funções regulares. A atuação do “gabinete do ódio”, difundindo desinformação e mensagens enganosas, está longe de ser exercício regular de função pública.

De toda forma, e aqui está o núcleo da questão discutida no MS 38.053, a ministra Rosa Weber, vice-presidente do Supremo, indeferiu o pedido de liminar, mantendo a quebra de sigilo decretada pela CPI. Segundo a ministra, a decisão da comissão foi devidamente fundamentada, com a indicação de indícios “perfeitamente adequados” ao objetivo da CPI, que é “buscar a elucidação das ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia”. No requerimento da CPI da Pandemia, foi relatado o envolvimento de Tercio Arnaud Tomaz no “gabinete do ódio”, que, entre outras ações, defendia a utilização de medicação sem eficácia comprovada.

De acordo com a comissão parlamentar, cabia ao assessor da Presidência papel de destaque na “criação e/ou divulgação de conteúdos falsos na internet”, com “intensa atuação na escalada da radicalização das redes sociais por meio de fake news”.

“Parece inquestionável, desse modo, que os indícios apontados contra o impetrante – que teria participado de diversas reuniões cuja pauta envolvia a negociação de vacinas e supostamente era responsável por disseminar notícias falsas contra a aquisição de imunizantes e em detrimento da adoção de protocolos sanitários de contenção do vírus SARS-CoV-2 – sugerem a presença de causa provável, o que legitima a flexibilização do direito à intimidade do suspeito, com a execução das medidas invasivas ora contestadas”, disse a vice-presidente do STF.

A Constituição assegura à CPI “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”. Há jurisprudência consolidada no sentido de que a comissão pode decretar quebra de sigilo bancário, fiscal e de dados, incluindo o extrato da conta telefônica. O que ela não pode fazer – e a CPI da Pandemia em nenhum momento fez isso – é determinar interceptação telefônica ou quebra de sigilo de correspondência.

Dois aspectos se sobressaem na decisão da ministra Rosa Weber. Primeiro, é papel do Judiciário defender as atribuições constitucionais de cada Poder e o seu normal funcionamento. O Supremo cumpre sua função institucional ao assegurar o direito da minoria de instaurar uma CPI – mesmo com os requisitos preenchidos para a comissão, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), tentou postergar sua instauração –, bem como ao proteger os poderes de investigação da comissão. Para muito pouco valeria uma CPI tolhida de seus poderes.

O segundo aspecto refere-se aos direitos das pessoas investigadas pela CPI da Pandemia. Tal como Lula faz nos processos criminais aos quais responde, há quem diga ser vítima de perseguição da comissão. A plena vigência das garantias constitucionais, com a possibilidade de interpor mandado de segurança – permitindo que o Judiciário revise a legalidade dos atos da CPI –, mostra a falácia desse discurso. Há direito. O que não pode haver é impunidade.