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Os precatórios da campanha de reeleição

O governo Bolsonaro quer usar recursos de terceiros para fortalecer a campanha de reeleição

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Por Notas & Informações
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Ao mesmo tempo que planeja gastar mais e arrecadar menos com o pacote eleitoreiro de bondades – entre outras medidas, aumentar o valor do Bolsa Família e ampliar a isenção do Imposto de Renda –, o governo de Jair Bolsonaro tenta manobras para não honrar o que deve. Anunciou recentemente que almeja não pagar os precatórios de 2022.

A proposta é acintosa. No ano que vem, o governo federal quer pagar apenas os precatórios de até R$ 66 mil. Os restantes teriam o seu pagamento parcelado ao longo de dez anos ou seriam utilizados como crédito pelos detentores dos direitos ao longo desse tempo. Além disso, em relação aos precatórios de mais de R$ 66 mihões, o governo planeja criar uma regra permanente de parcelamento.

“Devo, não nego; pagarei assim que puder”, disse o ministro da Economia, Paulo Guedes. No entanto, a proposta do governo é ainda mais debochada. Não é pagar quando puder, e sim quando quiser – o que é um evidente abuso.

“O que o governo está propondo é um calote, porque os precatórios resultam de ações judiciais de longa duração, às vezes 10, 20, 30 anos. Depois que o autor da ação ganha a sua causa, vem o governo dizer ‘só te pago daqui a 10 anos’? Você tem casos de pessoas que morrem sem receber. Esse tipo de reação do governo busca transformar os precatórios em dívida de segunda categoria”, disse o economista Maílson da Nóbrega ao Estadão/Broadcast.

A medida anunciada de atrasar unilateralmente o pagamento de precatórios é absolutamente contraditória com o discurso, muito repetido pelo governo federal, de que uma de suas prioridades seria melhorar o ambiente de negócios e aumentar a segurança jurídica. Um governo que atrasa o pagamento de precatórios – dívidas que foram reconhecidas pela Justiça e que já transitaram em julgado – revela descompromisso com suas obrigações mais básicas.

A agravar a situação, o governo não quer pagar os precatórios justamente no ano eleitoral, para dispor de mais dinheiro para nutrir as medidas eleitoreiras. Ou seja, o governo de Jair Bolsonaro quer usar recursos de terceiros para fortalecer a campanha de reeleição.

Segundo o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a proposta do governo federal de alterar as regras do pagamento dos precatórios é uma tentativa de institucionalização do calote para fins eleitoreiros.

Nessa história sobre os precatórios de 2022, o próprio discurso do governo federal revela descaso com aquilo que é uma obrigação primária, o cumprimento de decisões judiciais. Segundo Paulo Guedes, o montante total dos precatórios do ano que vem representaria um meteoro que precisa ser abatido por um míssil – a tal proposta de parcelamento –, para salvar as finanças federais.

“O governo não deveria se surpreender com essa informação do Judiciário, os R$ 89 bilhões (de dívidas em precatórios). O ministro (Paulo Guedes) se mostrou surpreso e lançou mão mais uma vez de metáforas tétricas: meteoro, míssil... Por que isso? Todos os processos nos tribunais superiores são acompanhados por advogados da União. Tudo indica que não há comunicação entre a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério da Economia”, disse Maílson da Nóbrega.

Não é de hoje que governos tentam atrasar o pagamento de precatórios. Querem transformar o que é uma estrita obrigação em uma faculdade. Nenhum devedor tem o direito de arbitrar unilateralmente o valor que vai pagar ao credor.

O presidente Jair Bolsonaro foi além. O governo federal planeja atrasar os precatórios para fins eleitorais. Em vez de cumprir suas obrigações, quer aumentar os gastos em medidas que geram votos.

A manobra é imoral e ilegal. Cumprir a lei é também respeitar a decisão judicial que transitou em julgado. Além disso, se a proposta for efetivada, o poder público terá ao longo dos próximos anos dificuldades ainda maiores para pagar os precatórios. Além dos relativos a cada ano, haverá os precatórios parcelados da campanha de reeleição de Jair Bolsonaro.