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Os sócios do caos são teimosos

Parlamentares bolsonaristas tentam retomar o PL que limita a autonomia dos governadores para indicar os comandantes das PMs; repercussão negativa adiou a barbaridade

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Por Notas & Informações
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A segurança dos cidadãos será fatalmente comprometida caso seja aprovado no Congresso o Projeto de Lei (PL) 164/2019, que estabelece um novo rito de escolha dos comandantes-gerais das Polícias Militares (PMs) e dos Corpos de Bombeiros Militares (CBMs) dos Estados. Hoje, os comandantes-gerais das duas corporações são escolhidos livremente pelos governadores entre os oficiais da ativa no último posto da carreira militar estadual (coronel). Não há mandato, e o chefe do Poder Executivo pode destituí-los a qualquer tempo, sem ter de justificar a decisão.

À luz do interesse público, não há por que mudar esse rito. Nas democracias, o braço armado do Estado deve estar sempre subordinado ao poder civil, e este não pode ser limitado por artimanhas políticas de ocasião nem, menos ainda, por picuinhas. É disso que se trata. O PL 164/2019 é, a um só tempo, um instrumento da briga do presidente Jair Bolsonaro com os governadores e um ardil para granjear o apoio de maus militares à agenda bolsonarista, claramente antidemocrática e antirrepublicana. Se há no País alguém que domina o idioma dos maus militares, é o presidente da República.

Não é novidade para ninguém que Bolsonaro tem total interesse em minar o poder dos governadores sobre as forças de segurança pública sob seu comando. É explícita a tentativa do presidente de cooptar policiais militares nos Estados para formar uma espécie de milícia bolsonarista, que estaria pronta para se insurgir contra seus comandantes sob as ordens diretas de Bolsonaro, no momento que melhor convier ao incumbente em campanha pela reeleição.

O PL 164/2019 dormitava nos escaninhos da Câmara dos Deputados havia mais de um ano. Agora, de uma hora para outra, um grupo de parlamentares bolsonaristas decidiu ressuscitar a emboscada. Ora, não é coincidência o fato de o País estar a dois meses das eleições gerais. Bolsonaro tem dito aos quatro ventos que não aceitará uma eventual derrota nas urnas. Caso isso aconteça, como projetam as pesquisas de intenção de voto, o preço que os brasileiros haverão de pagar por não terem reconduzido o “mito” serão dias de tensão e baderna. A ação de policiais militares insurgentes faz parte da arquitetura do caos.

A armadilha bolsonarista só foi temporariamente desarmada porque o Estadão revelou as manobras de bastidor na Câmara dos Deputados para levar o projeto adiante. Decerto ele seria aprovado em caráter terminativo na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Casa não fossem a reportagem e a reação de alguns comandantes-gerais das PMs. Diante das críticas pela escancarada natureza oportunista do PL 164/2019, a votação foi adiada para depois das eleições. Um projeto absurdo como esse, flagrantemente contrário ao melhor interesse público, deve ser abandonado em caráter definitivo. Só foi cogitado porque na Presidência da República está um inconsequente e na Presidência da Câmara dos Deputados, um oportunista.

Se o PL 164/2019 for aprovado, aos governadores será imposta uma lista tríplice formada a partir de votação interna e sigilosa entre todos os oficiais da ativa das PMs e dos CBMs. Os escolhidos teriam um mandato de dois anos, podendo ser reconduzidos uma vez, a critério dos governadores. As corporações também passariam a ser dotadas de autonomia orçamentária.

Os defensores do projeto juram que pretendem “impedir a ingerência política” nas corporações militares estaduais. É uma falácia, pois o que ocorrerá é justamente a politização dos quartéis. Os candidatos a comandante-geral, a fim de integrar a lista tríplice, passarão a agir sob a lógica sindical, sobrepondo os interesses corporativos aos interesses da sociedade. Quando os interesses de classe colidirem com o interesse coletivo, pior para a sociedade. Coronéis-candidatos poderão tomar decisões que, ao fim e ao cabo, arrisquem a segurança dos cidadãos.

Um projeto como esse não pode prosperar. Mas, caso passe na Câmara, onde tudo é possível sob a gestão de Arthur Lira, que o Senado, a Casa da Federação, dê um fim a essa barbaridade.