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País perde chance de aprimorar o SUS

Descoordenação federal foi decisiva, apesar dos gastos na pandemia; a pressão cresce e é preciso repensar estratégias para aumentar a eficiência e a sustentabilidade do sistema

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Por Notas & Informações
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Já antes da pandemia, o Sistema Único de Saúde (SUS) era pressionado por um subfinanciamento crônico combinado ao aumento de dependentes após a recessão. A pressão foi avassaladoramente ampliada pela maior crise sanitária dos tempos modernos. Mas o fim da pandemia não alivia o sistema. A suspensão dos tratamentos eletivos criou uma demanda reprimida que agora se faz sentir e é acrescida pelas sequelas da pandemia, como a covid longa ou novos casos de saúde mental. Some-se a isso a crise econômica, que aumentou ainda mais o contingente de dependentes. Para piorar, há um inexorável destino demográfico: a população está envelhecendo.

Em 2020, o “orçamento de guerra” possibilitou um incremento de R$ 38 bilhões ao sistema. Mas, dois anos depois, como mostrou reportagem do Estadão, o SUS permanece praticamente do mesmo tamanho.

A pressão se transferiu da porta dos hospitais para a atenção primária. Mas a sua estrutura, com raras exceções, ficou estagnada, entre outras razões pela opção por privilegiar uma rede provisória, como hospitais de campanha e compra de leitos privados, combinada à descoordenação federal no repasse de verbas.

Como mostrou um levantamento da OCDE, a crise no Brasil, ao contrário de países como Chile, Colômbia, Reino Unido ou Portugal, não legou um incremento dos serviços, especialmente na rede básica, onde planejamento e prevenção fazem diferença.

Uma exceção é a rede de leitos de UTI, que aumentou duas vezes em relação a 2019. Contudo, essa ampliação não foi acompanhada de uma alta no número de profissionais capazes de operá-la. Em relação aos serviços privados, diminuiu não só a proporção de intensivistas, mas de infectologistas e pneumologistas.

O quadro comprova a indigência administrativa do Ministério da Saúde. Desde o início da crise, a pasta teve quatro ministros. Um deles, o intendente Eduardo Pazuello, confessou que não sabia nem o que era o SUS. A desídia do governo Jair Bolsonaro não se deu só na relutância em encampar a campanha nacional de vacinação, mas na omissão em coordenar ações que poderiam impactar na otimização dos recursos e na qualidade dos serviços.

O sistema está estagnado, mas a pressão aumenta. Se em 2018 64% da população dependia do SUS, hoje se estima que sejam 75%. Em 2017, 8,9% dos brasileiros tinham mais de 65 anos. Em 2050, serão 21,9%. As projeções sugerem que os gastos com saúde, que em 2019 respondiam por 9,6% do PIB, crescerão para 12,6% em 2040.

Em diagnóstico sobre o SUS, a OCDE apontou alternativas para fortalecê-lo. Novas fontes de recursos podem ser geradas em nível federal sem comprometer o caminho rumo à recuperação fiscal, por exemplo, ajustando as regras de indexação para programas sociais e salários do funcionalismo, ou reduzindo a dedução de impostos em gastos com o sistema privado.

A modernização do sistema de saúde primária e mais coordenação entre as áreas de atendimento podem trazer enormes ganhos de eficiência. O Brasil, por exemplo, já conta com um uma razoável infraestrutura de dados de saúde, mas está atrás dos países da OCDE em disponibilização, governança e integração.

Coordenação interfederativa é um componente-chave. Como já se faz em certas áreas de infraestrutura, o foco na regionalização dos serviços pode desafogar a pressão sobre uma multidão de pequenos municípios com baixa capacidade financeira ou administrativa. A coordenação entre o SUS e o sistema privado também precisa ser aprimorada, em áreas como o trânsito de profissionais, ressarcimentos ao SUS por provedores privados ou a incorporação de novas tecnologias e tratamentos.

Em 1988 o Brasil se dispôs a uma ousada conquista civilizatória, que foi a criação do SUS. Mais de 30 anos depois, o SUS é o maior sistema universal e gratuito do mundo. Mas é imprescindível que o poder público e a sociedade civil se engajem em um debate sobre como melhorar a sua eficiência e sustentabilidade. Não há maior homenagem às centenas de milhares de vidas sacrificadas pela pandemia e aos profissionais de saúde que se sacrificaram para salvar ainda mais vidas.