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País vai mal mesmo sem crise externa

Temor de recessão mundial afeta o preço do petróleo e o mercado de capitais, mas o dólar no Brasil já refletia insegurança

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Por Notas & Informações
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Cresce o risco de recessão, 2022 deve ser um ano difícil e 2023 poderá ser ainda mais complicado, segundo a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva. Enquanto ela anunciava para breve um novo corte nas previsões de crescimento global, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) indicava um novo aumento de juros em sua próxima reunião, marcada para os dias 26 e 27. Submetida a um forte aperto de crédito, a maior economia do mundo, já enfraquecida, poderá entrar em estagnação e deflagrar mais uma crise recessiva internacional. Essa crise ainda está no radar, mas a expectativa de tempos mais duros já afeta os mercados, mexendo nos preços do petróleo e de outras matérias-primas, influenciando o movimento de capitais, interferindo na cotação do dólar e impondo novos desafios a um Brasil já atolado em dificuldades e ameaçado de novos desajustes.

Ao mexer no mercado de matérias-primas, o temor da recessão produziu, na quarta-feira, um fato aparentemente positivo. Os preços do petróleo recuaram 2,02% no dia e chegaram a US$ 100,69 por barril. Isso praticamente zerou a defasagem entre as cotações internacionais e os preços da Petrobras, tornando desnecessário um novo reajuste no mercado interno. Não havia, no entanto, motivos sérios para comemoração.

Em primeiro lugar, seria um tanto insensato festejar os sinais de uma crise recessiva, normalmente caracterizada por desemprego e empobrecimento. Em segundo lugar, a combinação da insegurança internacional com as incertezas locais levou o dólar a uma nova alta. No fim do dia, depois de algum recuo, a moeda americana ainda chegou a valer R$ 5,42, no nível mais alto desde 27 de janeiro. Desde o começo de julho até quarta-feira, o dólar valorizou-se 3,57% em relação ao real.

Agravada, agora, pelo temor de recessão global e pelo aperto monetário nos Estados Unidos, a instabilidade cambial tem sido rotineira no Brasil. Mesmo quando o cenário externo é mais tranquilo, o preço do dólar é afetado, no País, pela insegurança sobre as contas públicas.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem reafirmado seu compromisso com a responsabilidade fiscal. Mas esse discurso pouco vale, quando o presidente Jair Bolsonaro, apoiado pelo Centrão, decide romper as normas financeiras para atender a seus objetivos e aos de seus aliados.

As manobras dos últimos dias para gastar mais de R$ 40 bilhões em bondades eleitorais motivaram novas fugas de capitais, com efeitos no câmbio. No Brasil, o dólar valorizado tem sido, com frequência, a contrapartida previsível das normas fiscais depreciadas pelo presidente Bolsonaro e por seus associados. Emendas constitucionais oportunistas e improvisadas podem dar um toque de legalidade à violação do teto de gastos e a outros desmandos. Mas essa maquiagem nem atenua os efeitos econômicos dos atos irresponsáveis nem ilude os investidores. O desgoverno e os desajustes internos continuam muito mais desafiantes que qualquer ameaça de crise internacional.