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Para cumprir tabela

Com despesas descoladas da realidade, projeto de lei do orçamento para 2020 é pouco mais que protocolar

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Por Notas & Informações
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Expectativas otimistas, omissões, projeções feitas para respeitar limites legais e, sobretudo, ânsia para que as coisas comecem a dar certo logo e em grande velocidade transformam o envio ao Congresso do projeto de lei do orçamento anual (Ploa) para 2021 em pouco mais que uma obrigação protocolar do Executivo. Tendo respeitado o prazo, que se encerrou no dia 31 de agosto, o governo do presidente Jair Bolsonaro como que cumpriu a tabela. O exame de alguns dos principais itens que compõem a proposta enviada ao Congresso revela, porém, o descolamento de muitas cifras do quadro fiscal e do panorama econômico e social, o que levanta sérias dúvidas sobre seu realismo e, especialmente, sua exequibilidade.

Uma premissa que balizou os grandes números do projeto orçamentário é a de que a pandemia não influenciará mais as despesas do governo federal no próximo ano. Tudo se passará, então, como se o calendário, ao indicar o fim de um exercício fiscal, eliminará todos os gastos extraordinários em que o governo incorreu a partir de março de 2020, atendendo a uma emergência sanitária, econômica e social a que tinha de dar uma resposta financeira adequada. Assim, as despesas do governo central, estimadas em R$ 1.982,8 bilhões neste ano (não se sabe se esse valor inclui gastos adicionais com a prorrogação do pagamento do auxílio emergencial, de R$ 300, até dezembro, anunciada ontem), serão reduzidas para R$ 1.516,8 bilhões em 2021. Será, se efetivamente cumpridas essas previsões, um corte de pelo menos R$ 466 bilhões, ou 23,5%. Não é impossível realizar uma redução substancial de gastos excepcionais do governo federal, mesmo porque boa parte da demanda de emergência tende a arrefecer com a redução do impacto da pandemia de covid-19 sobre a vida das pessoas e sobre a atividade econômica. É difícil imaginar, porém, que tais gastos não terão nenhum impacto no próximo exercício fiscal.

Por necessidade política, com vistas à reeleição em 2022, o presidente Bolsonaro tem demonstrado firme disposição de rebatizar e dar novo formato ao programa Bolsa Família, denominação fortemente vinculada às administrações petistas. O governo tem anunciado a criação de um programa social chamado Renda Brasil, que substituiria o Bolsa Família e outros programas federais de distribuição de renda, com a inclusão de novos beneficiários. Pelos mesmos motivos, o governo tem propagado sua intenção de lançar um grande programa de obras de infraestrutura, chamado Plano Pró-Brasil, que poderia contar com investimentos privados, mas também públicos, de algumas dezenas de bilhões de reais. É muito provável que essas duas iniciativas sejam de alguma forma viabilizadas no ano que vem, ou nos próximos meses. Mas o Ploa 2021 não contém explicitamente nenhum centavo para nenhum desses dois projetos, o que fortalece as dúvidas sobre seu realismo.

Como parâmetro para estimar receitas no próximo ano, a equipe técnica do Ministério da Economia projetou redução do Produto Interno Bruto (PIB) de 4,70% neste ano e aumento de 3,24% em 2021. São estimativas mais otimistas do que as de economistas da iniciativa privada. O salário mínimo não terá aumento real e deverá ser de R$ 1.067 em 2021.

No cenário fiscal, além de limitar a 2020 os gastos com a pandemia, o projeto estabelece como âncora para os gastos primários a lei do teto, segundo a qual as despesas não podem crescer mais do que a inflação. O que se observa em boa parte das despesas que compõem o Ploa é que elas resultaram de simples correção dos valores de 2020 pela inflação. Assim, as despesas vinculadas ao teto ficarão exatamente no teto, sem margem para nenhuma variação real, o que, por si só, pressupõe riscos sérios de descumprimento do limite. Ou do rompimento do teto.

Quanto ao déficit primário, previsto em R$ 812,2 bilhões neste ano (ou 11,3% do PIB), o governo estima sua redução para R$ 237,3 bilhões (ou 3,1% do PIB) em 2021. Mas o resultado negativo persistirá até 2023.