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Pedras e buracos no caminho

A Prefeitura faz bem ao reformar ciclofaixas. Mas melhor seria fazer um trabalho completo

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Por Notas e Informações
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No final do ano passado, a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes (SMT) anunciou o novo Plano Cicloviário da Cidade de São Paulo, um ambicioso projeto de extensão e reforma da malha cicloviária da capital paulista, a maior da América Latina, de acordo com levantamento feito pela Agência Senado: são 474 km de ciclovias e ciclofaixas, fora os 30 km de ciclorrotas. O novo plano da Prefeitura engloba a criação de 173 km de vias e faixas, além da reforma de 310 km da malha existente até o final de 2020, ao custo de R$ 325 milhões.

Trata-se de uma ação mais do que bem-vinda da administração Bruno Covas (PSDB), haja vista a péssima qualidade de muitos segmentos da infraestrutura cicloviária instalada, seja pela falta de manutenção, seja como consequência do mau planejamento de administrações anteriores, para as quais bastava pintar de vermelho um trecho do asfalto para vender à população a ideia de que uma ciclofaixa ali havia sido criada.

O que não é compreensível é que este trabalho de revitalização se limite às ciclofaixas, não se estendendo às pistas de rolamento para automóveis na mesma via, e que demandam igual tratamento. O Estado percorreu uma série de ruas e avenidas da cidade observando essas discrepâncias. De um lado, uma ciclofaixa impecavelmente reconstituída, bem sinalizada e nivelada, bastante segura para os ciclistas, como deve ser. De outro, buracos, pedras soltas e desníveis na mesma via, comprometendo não só a segurança de motoristas e pedestres, mas a dos próprios ciclistas, já que para desviar de um buraco o motorista pode acabar lançando o carro sobre a faixa a eles destinada.

A Prefeitura informou que a Secretaria Municipal das Subprefeituras realiza, em paralelo ao trabalho nas ciclofaixas, um levantamento das vias que precisam de manutenção. A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) também está envolvida no mapeamento.

Trabalho, decerto, não vai faltar. O estado de muitas ruas e avenidas de São Paulo é sofrível, algo incoerente com o poderio econômico da maior cidade do País. Entre 2017 e 2018, as queixas sobre buracos nas vias aumentaram 32%, passando de 147,6 mil para 198,7 mil, de acordo com dados divulgados no início do ano passado (ver editorial Ruas em estado lastimável, publicado em 29/1/2020). É um número impressionante.

Leitores ouvidos pelo jornal apresentaram relatos bastante parecidos sobre a discrepância de tratamento asfáltico em uma mesma via, o que compromete até a estética da cidade. Na Rua Cândido Espinheira, em Perdizes, zona oeste da cidade, a área destinada aos ciclistas já foi reformada, mas parte da faixa de pedestres foi recapeada sem sinalização indicativa, tornando o trânsito de pessoas inseguro. Na mesma região, a Pompeia é outro bairro cuja qualidade do asfalto deixa a desejar.

“A cidade é equipada com sistemas de monitoramento de todos os serviços. Quando o cidadão fornece a posição de uma ‘anormalidade’ em uma via pública, esse problema fica guardado no sistema, o que facilita o planejamento e execução do serviço (de reparo)”, disse ao Estado a professora Eleana Patta, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Conhecimento dos problemas a Prefeitura tem. Resta saber por que o número de reclamações só aumenta. Quais as dificuldades para cuidar de algo tão comezinho à administração de uma cidade como a manutenção de suas vias? É evidente que São Paulo tem desafios de gestão que poucas cidades no mundo têm. Mas São Paulo também dispõe de recursos técnicos, humanos e financeiros que rivalizam com os de muitos países.

Louvável o plano da Prefeitura para ampliar e reformar a malha cicloviária da cidade. Mostra, assim, sintonia com as melhores práticas adotadas por grandes cidades no mundo todo. Melhor que esta ação seja completa, visando à segurança de todos os paulistanos, sejam eles ciclistas, motoristas ou pedestres.