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Plano ambicioso

O Projeto de Lei 529/20 abre, a um só tempo, muitas frentes de resistência

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Por Notas & Informações
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O governador João Doria apresentou à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo um ambicioso projeto de lei (PL 529/20) com medidas de ajuste fiscal e de equilíbrio das contas públicas estaduais. Por certo, a finalidade da iniciativa é louvável. A proposta peca, no entanto, por excessiva amplidão e extremado rigor. Ao tratar de temas muito diversos, o projeto de lei abre, a um só tempo, muitas frentes de resistência. Parece, assim, ser difícil a sua aprovação integral pelo Legislativo. 

Por força dos efeitos da pandemia do novo coronavírus sobre as finanças públicas – aumento de despesas e queda da arrecadação –, a administração estadual estima um déficit orçamentário em torno de R$ 10,4 bilhões no exercício de 2021. Para fazer frente a esse desequilíbrio, o PL 529/20 apresenta, em dez tópicos, medidas das mais variadas naturezas. Por exemplo, com a meta de extinguir mil unidades administrativas “tornando o Estado mais funcional e eficiente”, o governo solicita autorização do Legislativo para acabar, entre outras entidades descentralizadas, com a Fundação Parque Zoológico de São Paulo, o Instituto Florestal, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo e a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo S. A.

O governo propõe também redução de benefícios fiscais relativos ao ICMS e ao IPVA, mudanças no Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual de São Paulo (Iamspe) e criação de programa de incentivo à demissão voluntária de servidores estáveis, além de novas regras para (i) alienação de imóveis vagos ou ociosos do Estado de São Paulo e de suas autarquias e fundações, (ii) securitização de recebíveis, (iii) regulação e fiscalização de serviços públicos e (iv) transação de créditos de natureza tributária ou não tributária. Em relação ao último item, os dados oficiais indicam que o Estado de São Paulo tem R$ 104 bilhões em débitos inscritos em dívida ativa classificados como irrecuperáveis e R$ 185 bilhões de difícil recuperação – e apenas 10% dos débitos estão judicialmente garantidos.

O projeto dispõe ainda sobre autorização para conceder a exploração de serviços ou o uso, total ou parcial, de nove áreas públicas, como o Parque Villa Lobos e o Parque Fernando Costa (Água Branca), aumento do valor da emissão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e do licenciamento de veículos e redução do prazo de validade dos créditos da Nota Fiscal Paulista.

Ponto especialmente controvertido do PL 529/20 refere-se ao art. 14, estabelecendo que o superávit financeiro das autarquias e fundações será transferido ao final de cada exercício à Conta Única do Tesouro Estadual para o pagamento de aposentadorias e pensões do Regime Próprio de Previdência Social do Estado. Pelo teor do projeto, o dispositivo afetaria diretamente as três universidades estaduais paulistas – USP, Unicamp e Unesp –, além da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entre outras entidades, já emitiram notas de repúdio à proposta do art. 14.

Além de envolver a autonomia financeira de entidades universitárias – assunto especialmente sensível –, a proposta de destinar o superávit financeiro de autarquias e fundações para o pagamento de aposentadorias trata equivocadamente esses recursos como dinheiro sem uso, disponível para outras finalidades. Os fundos das universidades e da Fapesp são reservas financeiras indispensáveis para financiar bolsas e projetos futuros, muitos deles já aprovados e em andamento.

É alvissareira a disposição do governo de São Paulo de realizar um ambicioso ajuste fiscal nas contas estaduais. Mas precisamente por ser tão fundamental, a batalha pelo equilíbrio das contas públicas deve ser empreendida de forma eficiente, sem criar embates e problemas desnecessários.