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Política ameaça a retomada

Riscos políticos ganham destaque em análise da crise econômica

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Por Notas & Informações
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Tensões políticas poderão prolongar a recessão e dificultar o ajuste das contas públicas, adverte a Fundação Getúlio Vargas (FGV), na edição de junho de seu Boletim Macro. A política tem destaque entre as incertezas citadas pela equipe da Fundação em suas últimas análises do quadro brasileiro. Por enquanto, suas projeções indicam retração econômica de 6,4% em 2020, um número otimista quando comparado com as estimativas de entidades multilaterais. Exemplo: pelos cálculos do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Produto Interno Bruto (PIB) será 9,1% menor que o de 2019, se o Brasil sofrer só uma onda de covid-19.

Incertezas à parte, há sinais positivos. No meio da mortandade causada pela covid-19, a retomada começou e a atividade econômica deve ter crescido 0,6% em maio, segundo prévia do indicador mensal da FGV. Essa avaliação parece combinar com a primeira reação da indústria, um aumento de produção de 7% depois do recuo de 26,3% acumulado em março e abril, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas há o risco da abertura precipitada, já confirmado em vários Estados, e a insegurança das decisões dificulta as previsões econômicas.

A estimativa da FGV para o PIB deste ano, com recuo de 6,4%, é a mesma do Banco Central (BC). No mercado, a mediana das projeções tem apontado uma contração pouco superior a 6,5%. A melhora das condições sanitárias no segundo semestre é um pressuposto de todos esses cálculos. Também a equipe econômica, ao calcular a atividade, a arrecadação, os gastos e o saldo das contas públicas, toma como referência um arrefecimento da pandemia na segunda metade do ano. Com a melhora das condições, indicam esses cálculos, será possível conter em cerca de R$ 600 bilhões o déficit primário (sem juros) do governo central.

Publicado na sexta-feira passada, o Indicador de Atividade Econômica da FGV, ainda em primeira prévia, registra, além daquela pequena reação mensal, uma queda de 10,1% no trimestre móvel encerrado em maio, tomando como base o período dezembro-fevereiro. O resultado de maio foi 12,6% inferior ao de um ano antes. A comparação do trimestre março-maio com igual período de 2019 mostra um recuo de 8,8%. Quando se tomam os cinco primeiros meses, a comparação interanual indica uma perda de 5,1%.

Com dados ainda muito incompletos, a equipe da FGV adiantou uma estimativa do segundo trimestre: queda de 9,8% em relação ao primeiro, a maior da série a partir de 1980. Com mais algum impulso na segunda metade do ano, 2020 será fechado com um PIB 6,4% inferior ao de 2019. O desemprego médio em 2020 ficará em 18,7%, com uma contração de 9% na massa de rendimentos. No cálculo dessa contração, adverte a nota, foram consideradas as políticas de apoio financeiro às famílias.

“De qualquer forma, diante de tanta incerteza, não podemos descartar novas revisões do PIB”, advertem os autores dos cálculos. A explicação é particularmente importante, porque vai além dos problemas sanitários e das dificuldades normais dos negócios: “Além de estarmos passando por uma crise de saúde e econômica, atravessamos também intensa e prolongada crise política. A contínua tensão entre os Poderes cobra o seu preço em termos de crescimento e emprego”. O custo desses problemas pode também aparecer nas contas públicas, na forma de um rombo maior nas finanças oficiais. Riscos fiscais, segundo a nota, aumentaram para 2020 e 2021.

Ao apontar o perigo de maiores estragos nas contas públicas, a equipe da FGV ressalta a possibilidade de um “quadro recessivo mais intenso e duradouro”. A resposta ao problema é concisa e clara: “Somente a combinação de estabilidade política com retomada da agenda de reformas poderá alterar esse quadro”. Se o governo tomar o rumo da sensatez, poderá aproveitar a janela de juros baixos, no Brasil e no exterior, para financiar suas contas num ambiente favorável à retomada do crescimento. Não se sabe, no entanto, se essas ideias cabem na agenda política - e pessoal, é claro - do presidente da República.