Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Política educacional de afogadilho

Ao alterar o ProUni, o governo deu mais uma vez mostra de inépcia, opacidade e descaso pela educação

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

Por meio de medida provisória (MP), o governo federal flexibilizou as condições de adesão de alunos e institutos de ensino superior ao ProUni. Criado em 2005, o sistema de bolsas do ProUni compõe com o programa de créditos subsidiados (Fies), de 1999, o principal mecanismo de inclusão de estudantes de baixa renda no ensino superior. Sem prejuízo dos êxitos destes programas, a principal crítica que se fez ao longo dos anos é de que as regras possibilitaram o financiamento de muitas universidades caça-níqueis com dinheiro público. A medida do governo nada fez para sanar esse problema, e pode agravá-lo.

Originalmente, as bolsas eram concedidas a alunos das escolas públicas e aos que tivessem cursado escolas privadas com bolsa. Agora o benefício foi estendido a todos os alunos das escolas privadas. A acusação de que isso prejudicará os mais pobres não procede, porque o critério de renda familiar, de até três salários mínimos por pessoa, segue inalterado. Além disso, os alunos de escolas públicas ou bolsistas de privadas terão prioridade.

A alteração realmente injustificável é a dispensa das contrapartidas por parte das universidades. Em troca de isenções fiscais, as instituições tinham de investir 20% de sua renda em gratuidade e conceder uma bolsa a cada nove pagantes. A MP eliminou essa obrigação.

O governo alega que as flexibilizações visam a diminuir a ociosidade na ocupação de vagas. O problema existe, mas a MP foi editada sem base em estudos técnicos ou discussões com o setor a propósito dele. Como apontou o professor de Políticas Públicas da UFABC Wilson Mesquita, a ociosidade pode estar ocorrendo em vagas de determinados perfis, enquanto outras seguem concorridas, o que exigirá uma readequação das ofertas às demandas.

Nem todas as alterações são necessariamente ruins. Mas elas envolvem muitos interesses comerciais. Por isso é necessária ampla transparência e discussão para a formulação de políticas públicas.

A Constituição prevê que o governo pode editar medidas provisórias em situações de relevância e urgência. No caso, não há nem uma nem outra. A MP foi publicada a poucos dias do recesso parlamentar, o que significa que a principal política de inclusão de jovens de baixa renda ao ensino superior privado entrará em 2022 em regime de incerteza e insegurança.

A falta de transparência, de embasamento técnico e de debate dá margem à politização e a especulações. Muitos especialistas veem nas medidas uma concessão ao lobby das instituições privadas. De fato, estima-se que a renúncia fiscal com o ProUni pode chegar a R$ 2 bilhões por ano. Mas as universidades foram dispensadas de reverter esses benefícios em contrapartidas sociais.

O ProUni tem sido razoavelmente exitoso em seus propósitos de inclusão. Sem dúvida, é passível de aprimoramentos. Mas o foro adequado para discuti-los e implementá-los é o Congresso. Se o conteúdo das alterações propostas pelo governo é em si questionável, a inépcia de seu procedimento é indisputável. Não é assim que se faz política pública.