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Populismo à custa dos Estados

Apenas uma reforma tributária ampla poderá reduzir o ICMS de itens essenciais e sem destruir contas públicas

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Por Notas & Informações
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Diz um ditado popular que de boas intenções o inferno está cheio, máxima que exprime o fato de não haver soluções fáceis para problemas complexos. É o caso do avanço da inflação e a disparada do petróleo e da energia elétrica, um problema que não será resolvido com a mais recente iniciativa da Câmara – um projeto de lei complementar por meio do qual os deputados pretendem impor uma alíquota máxima de 17% ao Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre itens essenciais.

Sob o pretexto de reduzir as tarifas ao consumidor final – no caso da energia, a queda não passaria de 10% –, os parlamentares estão prestes a dar aval a uma perda de R$ 70 bilhões a Estados e municípios. Embora o tributo seja estadual, sua arrecadação é dividida com os prefeitos. Trata-se de uma iniciativa que beira a irresponsabilidade e que, no limite, pode até ser inconstitucional, caso a redação da lei tenha caráter impositivo.

De forma geral, o ICMS sobre energia, combustíveis e telecomunicações varia entre 25% e 30%. Os três itens respondem por quase um terço das receitas com ICMS, disse ao Estadão o economista Sergio Gobetti, especialista em contas públicas, mas em alguns casos, a dependência é ainda maior e pode chegar a 80%. Não se trata de discutir o caráter de essencialidade desses serviços, mas a forma eleitoreira como o assunto tem sido conduzido no governo.

Para começar, goste-se ou não, cada Estado tem autonomia para definir suas alíquotas de ICMS. Não é, portanto, tarefa da União ou da Câmara federal. Uma tributação que exceda os 30% certamente é elevada, mas incide sobre uma base igualmente elevada por questões de custos da própria cadeia produtiva. Qualquer debate sério sobre quanto o imposto poderia ser reduzido deveria ser precedido de negociação, algo bem diferente de colocar uma faca no pescoço dos governadores – o que o presidente da Câmara, Arthur Lira, com apoio do governo federal, fez ao anunciar a inclusão do projeto na pauta de votações de forma intempestiva.

Cortar as receitas dos Estados e municípios de uma hora para outra não é nem mesmo realista, a não ser que o objetivo seja quebrar os entes federativos para, depois, obrigar a União a socorrê-los com dinheiro público oriundo de impostos federais pagos por toda a sociedade. Os orçamentos deste ano já contam com essa arrecadação para pagar despesas obrigatórias com saúde, educação e servidores. E os Estados e municípios já tiveram de aceitar perdas em razão da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de 35% para 25%.

Como bem definiu Gobetti, cortar receitas sem diminuir benefícios fiscais não passa de populismo. A alternativa pragmática seria uma reforma tributária ampla que uniformize alíquotas ao longo do tempo e compense perdedores, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 110, de autoria do Senado – esta sim a Casa que representa os Estados. Sem analisar o tema com a profundidade que ele exige, qualquer proposta, como a que está em discussão na Câmara, terá efeitos perniciosos sobre as contas públicas.