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Populismo é mau negócio

A realidade é o principal obstáculo dos líderes messiânicos e dos falsos profetas

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Por Notas & Informações
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Embora a onda populista que elegeu Donald Trump nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro no Brasil e outros tantos demagogos ao redor do mundo ainda mostre vigor, avolumam-se os sinais de que esse movimento começa a enfrentar os problemas impostos pela realidade – que, desde sempre, é o principal obstáculo dos líderes messiânicos e dos falsos profetas. Mais do que isso: a democracia, cuja destruição chegou a ser anunciada por alguns comentaristas afobados, dá sinais de que, a despeito dos problemas, está essencialmente intacta, pois seus instrumentos destinados a refrear os ímpetos autoritários dos populistas continuam mostrando eficácia.

Tome-se o exemplo do presidente norte-americano, Donald Trump. Tantas foram suas agressões ao espírito democrático dos Estados Unidos que, afinal, o Congresso reagiu: a Câmara dos Representantes (deputados) iniciou uma investigação que pode resultar num processo de impeachment contra Trump. O caso diz respeito à suspeita de que Trump teria pressionado o governo da Ucrânia a investigar negócios da família de Joe Biden, ex-vice-presidente e pré-candidato democrata à presidência. Segundo a presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, Trump incitou a intromissão de um governo estrangeiro nas eleições norte-americanas. “O presidente deve ser responsabilizado. Ninguém está acima da lei”, disse Pelosi. É improvável que um processo de impeachment prospere, mas o fato é que finalmente está se traçando um limite para os arroubos irresponsáveis de Trump.

Esse mesmo limite foi estabelecido na Grã-Bretanha, onde a Suprema Corte considerou ilegal a ação do primeiro-ministro Boris Johnson que suspendeu os trabalhos do Parlamento durante os debates sobre a retirada do país da União Europeia. Populista da estirpe de Trump, Boris Johnson esperava, com isso, remover o obstáculo representado pelo Parlamento para realizar o Brexit à sua maneira. Por unanimidade, a Suprema Corte entendeu que “o efeito (da manobra do premiê) sobre os fundamentos de nossa democracia foi extremo”, pois o Parlamento, “como casa de representação do povo, tem o direito de opinar sobre as mudanças que estão por vir”. Por isso, o tribunal considerou que a decisão de Johnson “impediu, sem justificativa razoável, que o Parlamento pudesse cumprir sua função constitucional”.

No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro tem sofrido seguidas derrotas no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF) em iniciativas que agridem os fundamentos constitucionais. Um caso exemplar foi a decisão de Bolsonaro de reapresentar uma medida provisória (MP) que havia sido rejeitada pelo Congresso. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, devolveu a MP e qualificou a atitude de Bolsonaro de “grave ofensa ao texto constitucional”. Ao julgar o caso, o ministro do STF Celso de Mello escreveu que se tratava de “clara e inaceitável transgressão à autoridade suprema da Constituição”.

Há limites legais para a ação dos populistas, mesmo os que estão convencidos de sua comunhão direta com o “povo” e se julguem dispensados do escrutínio das instituições da democracia representativa.

Além do obstáculo democrático, os demagogos vêm enfrentando o natural desgaste do exercício do poder. Ante a incapacidade de transformar promessas mirabolantes em realidade e de lidar com as vicissitudes da economia de um modo racional, os populistas vêm perdendo o apoio do povo que imaginam encarnar. No Brasil, depois do entusiasmo inicial com a chegada ao poder de quem anunciava uma revolução em todos os quadrantes da vida nacional, grande parte do eleitorado, exausto de tanta polarização, rapidamente percebeu que a vida está piorando em vez de melhorar e que, a continuar assim, as perspectivas não são nada boas. Como já sabiam todos os que têm juízo, o populismo vai se mostrando afinal um mau negócio para os que esperavam exercer o poder à revelia dos fatos concretos e à margem da democracia, com enorme prejuízo para todos.