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Populismo irracional

Agrado a motociclistas é mostra de que Bolsonaro não compreende a natureza do cargo

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Por Notas & Informações
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Desde a investidura no cargo, o presidente Jair Bolsonaro tem dado mostras de que fez a opção por governar para determinada parcela da sociedade, e não para todos os cidadãos, sejam ou não seus eleitores. Muitos dos erros que Bolsonaro cometeu – e continua cometendo – decorrem desta incompreensão primordial de seu papel como supremo mandatário do País e dos limites para o exercício da Presidência da República.

Seu pacote de políticas públicas, se assim podem ser chamadas, passa ao largo das necessidades da maioria dos brasileiros no contexto de uma renitente crise econômica conjugada com a maior tragédia sanitária a se abater sobre a Nação na história recente. Ele inclui desde o abrandamento das normas para concessão de posse e porte de armas de fogo até a mobilização do Ministério da Educação (MEC) para defesa e implementação do homeschooling, tema que interessa a não muito mais do que 8 mil famílias no Brasil.

O mais novo exemplo desta forma de Bolsonaro governar para nichos de apoiadores veio à luz há dias, com o anúncio da isenção da tarifa de pedágio para motociclistas a partir das novas concessões de rodovias federais. Não há razão social a justificar tal medida. Trata-se apenas de um regalo concedido pelo presidente a um grupo que nem sequer é organizado.

De acordo com o Ministério da Infraestrutura, pasta responsável pelos processos de concessão e pela implementação do benefício aos motociclistas, o custo da gratuidade seletiva do pedágio recairá sobre as tarifas pagas pelos demais motoristas, inclusive os caminhoneiros, categoria que também há dias foi agraciada por Bolsonaro com o programa “Gigantes do Asfalto”, que prevê uma série de medidas que têm por finalidades reduzir o custo dos fretes e aumentar a renda dos caminhoneiros autônomos.

A pasta argumenta que o benefício aos motociclistas “não deve gerar grande impacto nas tarifas” pagas pelos demais motoristas. No caso da nova concessão da Rodovia Presidente Dutra, por exemplo, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, estima-se um aumento médio de 0,5% no valor das tarifas de pedágio com a concessão da gratuidade aos motociclistas. O tratamento desigual foi classificado como “retrocesso” pela Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR). O Tribunal de Contas da União (TCU) analisará a benesse.

O contrassenso especificamente evidente em relação ao afago aos caminhoneiros revela a falta de visão sistêmica que marca o governo federal, que, por sua vez, decorre da falta de um programa de governo claro e orgânico definido e liderado pelo presidente da República. Assim, governando ao sabor de suas necessidades político-eleitorais, Bolsonaro tenta agradar a umas e outras categorias sem se ocupar sequer de antever as possíveis contradições entre suas ações. Os caminhoneiros já se posicionaram contra a isenção do pedágio para motociclistas. Aldacir Cadore, do Comando Nacional do Transporte (CNT), disse ao Estado que, com mais aumento do pedágio para os caminhoneiros, “está ficando inviável rodar”.

Este conjunto de benefícios dirigidos também ilustra o quão distante Bolsonaro está de suas promessas como candidato. Parece que foi há muitos anos que o capitão reformado conquistou o voto da maioria dos brasileiros prometendo reformar o Estado, no sentido de dar-lhe mais eficiência, acabar com a “mamata” que, em sua visão, marcara governos anteriores e, talvez a maior de suas falácias, implementar, pela primeira vez, um liberalismo a valer no Brasil.

O que tem sido visto é o exato oposto das promessas de campanha, um presidente que, do alto cargo que ocupa, sobrepõe seus interesses particulares sobre o interesse nacional e mobiliza as estruturas governamentais para criar formas de cooptação e manutenção de apoio político segmentado. Tudo isso com olhos obcecadamente voltados para sua reeleição, não para o futuro do País. Se jamais será um estadista, Bolsonaro poderia ao menos tentar governar como um presidente.