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Pragmatismo

Reunião entre Brasil e Estados Unidos para tratar do clima indica algum avanço

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Por Notas&Informações
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Autoridades de alto escalão dos governos do Brasil e dos Estados Unidos enfim se reuniram para tratar de mudanças climáticas e preservação do meio ambiente. Passadas as rusgas havidas durante a eleição presidencial americana, em grande medida estimuladas pelo presidente Jair Bolsonaro, as duas maiores democracias das Américas dão sinais de que o pragmatismo poderá determinar a relação entre os dois países.

Pela primeira vez, os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, conversaram sobre cooperação bilateral com o enviado especial para o clima do governo americano, o ex-secretário de Estado John Kerry. O encontro, por meio de videoconferência, ocorreu no dia 18 passado.

Por razões distintas, a reunião de alto nível significou uma positiva sinalização de mudança de rumos nos dois países. Não é possível imaginar o sucesso de políticas de contenção do avanço das mudanças climáticas sem que Brasil e Estados Unidos estejam diretamente envolvidos na sua formulação e implementação. Até pouco tempo atrás, tanto o ex-presidente Donald Trump como o presidente Jair Bolsonaro tratavam a questão ambiental como parte de uma “guerra cultural”, não como um fato científico. As mudanças climáticas não respeitam fronteiras. Portanto, não haverá soluções para um desafio global desta envergadura que não sejam igualmente concertadas por toda a comunidade das nações.

A cooperação internacional certamente será facilitada agora que Trump não tem poder para sabotá-la, como fez durante os quatro anos de seu disruptivo mandato. O resgate da racionalidade na política ambiental americana pôde ser observado já no dia da posse de seu sucessor, o democrata Joe Biden. Um de seus primeiros atos como presidente dos Estados Unidos foi recolocar o país no Acordo de Paris, uma promessa de campanha. A medida foi oficializada na sexta-feira passada, em cerimônia que reuniu Kerry e o secretário-geral da ONU, António Guterres.

Além de sinalizar uma prioridade para o governo Biden, o retorno dos Estados Unidos ao esforço conjunto para deter o avanço das mudanças climáticas mostra que o mundo está diante de uma das mais altas prioridades transnacionais, só perdendo para o combate à pandemia de covid-19.

“Enfrentar a crise climática requer grandes impactos que só podem ser alcançados com parceiros globais”, disse John Kerry após a reunião com os ministros brasileiros, classificada por ele como uma “boa conversa.” Para o chanceler Ernesto Araújo, a reunião foi “100% positiva”.

De acordo com a apuração do Estado, durante a reunião o governo brasileiro se mostrou inclinado a ampliar as medidas de proteção ambiental, mas desde que “países ricos” as custeiem. John Kerry, por sua vez, reconheceu que “um novo acordo financeiro” para apoiar estes projetos deve ser celebrado. Ótimo que seja assim. Mas convém lembrar que não foi por falta de dinheiro que o Brasil deixou de implementar projetos de preservação ambiental no governo Bolsonaro. Basta ver o que aconteceu com os recursos bilionários do Fundo Amazônia, composto, primordialmente, por doações da Noruega e da Alemanha e desdenhado por Salles. Até o fim de 2020, havia uma lista de 40 projetos financiados pelo fundo que estavam paralisados.

Antes do aporte financeiro, portanto, o governo brasileiro precisa mostrar que, de fato, está engajado na proteção do meio ambiente. A recuperação da confiança internacional no País depende disso.

O Brasil é interlocutor de destaque em qualquer mesa de negociação sobre acordos que tratem da preservação do meio ambiente. Sempre foi. Se hoje o País se tornou um pária e perdeu sua boa reputação na seara ambiental, isto se deve ao descaso e à irresponsabilidade com que Bolsonaro tem tratado do tema até agora. A reunião bilateral com os Estados Unidos, no entanto, indica que a postura brasileira diante de tema tão relevante talvez possa mudar. Melhor para o País e para o mundo se isso ocorrer.