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Prescrição não é impunidade

Suspensão de prazo prescricional como escusa para lentidão do Judiciário é contrassenso.

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Por Notas & Informações
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Em meio ao julgamento da constitucionalidade da prisão após a condenação em segunda instância, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, encaminhou para deliberação do Congresso uma proposta de alteração do Código Penal que suspende os prazos de prescrição enquanto recursos interpostos pelos réus são apreciados pelos tribunais superiores – o próprio STF e o Superior Tribunal de Justiça. A proposta é temerária sob qualquer ângulo que se a analise.

Em primeiro lugar, ela é inoportuna. A retomada do julgamento das três Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) que tratam da prisão após condenação em segunda instância foi pautada para a sessão do dia 7 de novembro. Dados o placar de votação até o momento – 4 votos favoráveis e 3 contrários – e o posicionamento passado dos próximos ministros a votar acerca do tema, não é improvável que o próprio ministro Toffoli, na condição de presidente do STF, tenha de votar para dar o chamado “voto de Minerva”, desempatando o julgamento.

É inevitável especular que tipo de correlação poderia haver entre a apresentação da proposta de Toffoli e o teor de seu eventual voto no julgamento das ADCs. Estaria o ministro-presidente se antecipando às críticas que o STF porventura poderá receber se, ao fim e ao cabo, considerar que um réu só pode ser preso após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória? É lícito inferir.

Não sem boa dose de razão, uma das mais fortes críticas que se fazem à baixa aplicação da lei penal no Brasil, sobretudo para os que têm condições de contratar bons advogados, é a lentidão do Poder Judiciário, em especial no julgamento da miríade de recursos à disposição dos que sabem manejar bem os códigos processuais em defesa de seus clientes. A lentidão no julgamento desses recursos não raro leva à prescrição dos crimes, o que, por sua vez, leva ao aumento da sensação de impunidade no País. Falsa sensação, pois não se pode atribuir a pecha de campeão da impunidade a um país que é o terceiro do mundo em número de prisioneiros – 812 mil.

Quando o presidente do STF toma a iniciativa de propor a suspensão dos prazos de prescrição de crimes enquanto os recursos são analisados pelos tribunais superiores, ele está admitindo que o Poder do qual é a mais alta autoridade é incompetente para exercer suas atribuições constitucionais num prazo coadunado com as regras e o ideal de justiça.

Se a proposta do ministro Dias Toffoli é inoportuna, não menos preocupante é o seu teor. O senso comum pode se inclinar à ideia de que os prazos de prescrição de crimes existem para favorecer os criminosos. Nada mais distante da realidade. A prescrição não existe para gerar impunidade, mas para proteger os cidadãos do arbítrio do Estado acusador. Imagine o distinto leitor o que seria da sociedade se o poder persecutório do Estado fosse ilimitado no tempo. Os cidadãos que têm de responder por seus supostos crimes perante a Justiça estariam com a espada da lei sobre suas cabeças por tempo indeterminado. Ou melhor, por tempo determinado apenas pelo voluntarismo do Ministério Público e do Poder Judiciário. Isso não é tolerável em um Estado Democrático de Direito como o Brasil.

Os prazos de prescrição, a um só tempo, resguardam os cidadãos de eventuais abusos de poder e servem para coibir a leniência de agentes públicos no exercício de suas funções.

Evidentemente, a impunidade é um mal tão pernicioso para a sociedade quanto o poder ilimitado do Estado. A solução para o falso dilema que contrapõe dois bens preciosos para a democracia – a liberdade individual e a igualdade de todos perante a lei – não é difícil de ser alcançada. Basta que o Ministério Público cumpra os prazos legais para oferecer denúncia e que o Poder Judiciário se estruture para julgar ações penais e recursos igualmente nos prazos que as leis determinam.

A suspensão dos prazos prescricionais como forma de escusa para a lentidão do Poder Judiciário é um contrassenso ao qual o Congresso deve estar atento.