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Quem paga a greve no setor público

A reação de diversas categorias ao aumento que Bolsonaro havia prometido apenas a policiais já começa a prejudicar áreas importantes, de importações a serviços

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Por Notas&Informações
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Quando decidiu, no fim do ano passado, dar aumento apenas para três categorias do funcionalismo público ligadas à segurança, onde imagina ter maior prestígio, o presidente Jair Bolsonaro talvez esperasse algumas críticas, pois aquilo parecia – e era – uma jogada de nítido interesse político-eleitoral. Mas a decisão merecia críticas mais sérias, pois as consequências da irresponsabilidade poderiam ser muito amplas, como estão sendo.

Pressionado de todos os lados pelos servidores federais, o governo anunciou que concederá aumento geral de 5% a partir de julho. A medida desagradou a todos, pois a correção é inferior à inflação, e não desmobilizará as principais categorias do serviço público. Sua aplicação depende de aprovação pelo Congresso e, se aprovado, o aumento implicará gastos adicionais de pelo menos R$ 5 bilhões, para os quais, já disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, não haveria recursos. Agora há?

Era previsível que várias categorias de servidores não se conformariam com aumento limitado apenas a policiais federais, policiais rodoviários e agentes penitenciários. Paralisações parciais, operações-padrão e outras formas de protesto dessas categorias já afetam a vida do cidadão comum, impondo-lhe custos. 

O preço do pãozinho, já empurrado para cima com a alta do trigo no mercado mundial por causa da guerra na Ucrânia, pode subir mais porque a liberação do cereal importado nos portos está lenta em razão da operação-padrão dos auditores da Receita Federal. Segmentos industriais que utilizam insumos importados, e são muitos nessa situação, também começam a se queixar da falta desses itens, o que reduz e até pode interromper sua produção. A prestação de serviços públicos pode ser prejudicada, afetando a vida de muitos cidadãos. 

Numa economia que já enfrenta dificuldades para retomar o crescimento, o surgimento de novas dificuldades torna ainda mais incerta a recuperação. A projeção de crescimento inferior a 1% neste ano sintetiza os problemas da economia brasileira. A inflação, de 11,30% nos 12 meses até março, já está muito alta e exigirá a manutenção de uma política monetária restritiva. A combinação de baixo crescimento com alta expressiva de preços poderá durar mais do que se previa e se desejava. 

Reportagem do Estadão (13/4) mostrou que o prazo médio para desembaraço de cargas importadas por aeroportos e portos brasileiros aumentou de 5 para 20 dias por causa da operação-padrão dos auditores da Receita. Empresas de diferentes setores industriais, de cosméticos e produtos de higiene e limpeza ao químico e ao de alimentos, pedem que o governo resolva a situação. Como reação ao aumento anunciado para policiais, os auditores da Receita querem mais benefícios e aumentos de vencimentos. 

Com a greve decidida pelos funcionários do Banco Central, serviços como a divulgação de boletins sobre o setor externo, o sistema de crédito, as contas públicas, a atividade econômica e sobre a avaliação do quadro econômico pelas principais instituições financeiras não estão sendo feitos. No mercado financeiro, já se fala em “apagão de dados”. Funcionários da Controladoria-Geral da União também iniciaram uma operação-padrão. Já os servidores da Previdência Social têm se manifestado de diferentes formas, desde paralisações parciais a manifestações de rua. 

Todos esses servidores estão reagindo, cada categoria a seu modo, à decisão inicial do governo Bolsonaro de dar aumento a apenas determinadas carreiras do funcionalismo federal. As reações mais fortes e mais rápidas surgiram nas categorias mais organizadas do serviço público federal e que são, igualmente, as que, em média, recebem os melhores salários. 

Auditores da Receita ganham entre R$ 20 mil e R$ 30 mil por mês. O vencimento de um analista do Banco Central varia de R$ 19 mil a R$ 27 mil. Um perito médico do INSS ganha, por jornada semanal de 40 horas, de R$ 14 mil a R$ 20 mil. O governo que estimulou suas reivindicações está sendo obrigado a atender parte delas. O contribuinte que pague a conta.