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Reeleição versus juros baixos

Custo do dinheiro depende de condições fiscais ameaçadas pelo jogo político

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Por Notas & Informações
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A campanha eleitoral, atividade principal do presidente Jair Bolsonaro, é uma das principais ameaças à manutenção de juros baixos. O custo do dinheiro depende da condição e das perspectivas das contas públicas, fatores sempre em risco, no Brasil, quando se trata de caçar votos e atender a interesses de aliados e de eleitores. Ao lado do presidente, e também contra ele, muita gente participa desse jogo, mas a caneta presidencial tem peso diferenciado nessa disputa. O risco político é a preocupação mais visível no comunicado emitido pelo Banco Central (BC), no começo da noite de quarta-feira, para anunciar a redução da taxa básica de juros para 2% ao ano.

O tom diplomático e meio ritualístico prevalece, como sempre, no informe postado logo depois da reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. Não há referência explícita a políticos ou a figuras do governo, mas a mensagem é clara. A taxa de juros estrutural pode subir, adverte o Copom, se houver “questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas”.

Será inútil, nesse caso, tentar manter a taxa básica, a Selic, e haverá prejuízos para a recuperação econômica e para a gestão da dívida pública. Metade dessa dívida está vinculada àquela taxa. Quanto menos o Tesouro tiver de pagar por suas obrigações, melhor para todos – se o governo souber usar as finanças menos apertadas. Essa demonstração de competência, por enquanto, é apenas uma hipótese muito otimista.

A insegurança quanto à evolução das contas públicas aparece em várias passagens do comunicado. Gastos emergenciais e outras ações anticrise têm de ser provisórios, ressalta a nota: “Políticas fiscais de resposta à pandemia que piorem a trajetória fiscal do País de forma prolongada, ou frustrações em relação à continuidade das reformas, podem elevar os prêmios de risco”. Em outras palavras, podem dificultar os fluxos de financiamentos e de investimentos.

Depois de baixar a taxa básica ao menor nível de sua história, o comitê deixou entreaberta a possibilidade de novos cortes, mais graduais. Mas esses “eventuais ajustes” vão depender da percepção da trajetória fiscal, além, é claro, de novas informações sobre a evolução provável da inflação. Sem preocupações maiores quanto aos preços, a intenção é manter o estímulo monetário, mas isso dependerá da “manutenção do atual regime fiscal”.

A retórica da austeridade fiscal é mantida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e por sua equipe, contra pressões de outras áreas do governo, de aliados do presidente e, naturalmente, de grupos parlamentares de várias tendências. A campanha da reeleição vem sendo intensificada com viagens. Tanto melhor, para o candidato, se essas viagens forem vinculadas a inaugurações. Mas obras para inaugurar têm sido escassas. Será hora de chamar o ministro da Economia?

“Há obras paradas no Brasil há mais de dez anos”, disse o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, segundo entrevista publicada pelo Globo. “Acredito que o Paulo Guedes vai ter de dar um jeito de arrumar mais um dinheirinho para a gente dar continuidade a essas ações que têm impacto social e na infraestrutura.” Na mesma reportagem, o senador aparece defendendo “certa flexibilização” na política das finanças públicas, apesar dos problemas gerados pelos enormes gastos emergenciais.

Falta esclarecer de onde virá o “dinheirinho” para obras. É difícil, nesta altura, desvincular da eleição a reforma tributária proposta pelo ministro da Economia. Ele vincula a recriação da CPMF, um tributo regressivo, cumulativo e aberrante, à desoneração da folha de pagamentos e à criação do programa Renda Brasil, altamente defensável se for bem formulado, mas, caso contrário, de pernicioso valor eleitoral. O político Jair Bolsonaro jamais havia mostrado interesse pela sorte dos trabalhadores comuns e dos pobres. Mas descobriu os dividendos políticos do apoio aos necessitados, com a adoção, na pandemia, de ações semelhantes àquelas implantadas em dezenas de países.