Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Reforma administrativa: questão de cidadania

Apesar de atrasada e diminuta, proposta apresentada pelo governo abre ao Parlamento a possibilidade de agir

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
Atualização:
2 min de leitura

No início de setembro o governo encaminhou ao Congresso uma proposta de Reforma Administrativa atrasada e diminuta. Apesar dos pesares, ela abre ao Parlamento a possibilidade de agir. A atual legislatura mostrou ímpeto reformista na Previdência, mas agora o desafio é mais complexo. Uma Nota Técnica do Centro de Lideranças Públicas (CLP) dá a medida dessa complexidade.

Antes de tudo há as distorções: a estabilidade indiscriminada; a progressão automática de carreira; e o déficit nas avaliações de desempenho. Muitos servidores ingressam com remunerações elevadas e alcançam em pouco tempo o topo da carreira, não com base em resultados e méritos, mas em tempo de serviço ou certificados acadêmicos.

Além das distorções, há as perversões. O Banco Mundial estima que os servidores públicos no Brasil recebam em média 18% acima de seus pares privados. Outras estimativas apontam que essa diferença pode chegar a 50%. De resto, há as disparidades no próprio serviço público entre a elite e a base. Pelo coeficiente Gini de mensuração de desigualdade, estima-se que a desigualdade no setor público seja 7 vezes maior que no privado, podendo variar de 4 a 14 pontos conforme a região.

A análise comparada expõe esta disfuncionalidade e perversidade da máquina pública. O número de servidores no Brasil não é alto. São 5,6% da população, enquanto a média dos países da OCDE é de 9,5%. Mas os gastos com pessoal correspondem a 13,8%, o que, segundo o Banco Mundial, coloca o País na 15.ª posição entre os que mais gastam como proporção do PIB. Em outras palavras, comparativamente, o Brasil tem poucos funcionários que ganham muito.

A Constituição de 1988 estendeu a todos os servidores a condição de estatutários com estabilidade. Mas nos países desenvolvidos apenas alguns postos, como juízes, soldados, fiscais ou policiais, têm essa prerrogativa. Na Suécia e na Espanha, por exemplo, apenas 1% dos funcionários é estatutário. Na Grã-Bretanha são 10%, e mesmo assim com estabilidade parcial.

Um dos pontos positivos da reforma em trâmite é a eliminação de vários privilégios, como licença-prêmio; aumentos retroativos; férias acima de 30 dias; aposentadoria compulsória como punição; ou promoções automáticas.

Outro avanço são os modelos de contratação diversos. Os cargos típicos de Estado seriam apenas aqueles que não podem ser transferidos para o mercado. A estabilidade seria mantida, mas após um período probatório de 3 anos. Além disso, há os cargos por prazo determinado ou indeterminado, mas que podem ser extintos caso se mostrem obsoletos.

Um terceiro ponto positivo é que a reforma abarca União, Estados e municípios. Mas, como lembra o CLP, os pontos questionáveis são exatamente as suas exclusões. Primeiro, a reforma só valerá para os futuros concursados. Depois, ficou de fora precisamente a elite do funcionalismo – militares, promotores, juízes e parlamentares. Tal como está, a reforma aumentará em muito a desigualdade entre os quadros públicos.

O governo seguiu o entendimento de que não teria legitimidade para reformar outros Poderes. Essa justificativa, em si questionável, não explica por que os militares, que compõem o Executivo e mantiveram a maioria de seus privilégios na Reforma da Previdência, ficaram de fora. O Congresso, ao menos, já está encaminhando sua própria Reforma Administrativa e há quem diga que, sendo o campeão dos privilégios, tem mais legitimidade para tratar das categorias do Judiciário.

Estima-se que em 15 anos cerca de um terço dos servidores da União se aposentará. A calibragem eficiente da reposição poderá trazer mais equilíbrio para as contas públicas. Tudo somado, o CLP calcula que o impacto fiscal da reforma pode levar a uma economia de R$ 403,3 bilhões até 2024.

Todos os brasileiros, inclusive os funcionários públicos, merecem serviços mais eficientes. Os trabalhadores privados merecem mais paridade em relação aos públicos, assim como os servidores da base em relação à elite. O Congresso tem a oportunidade de brindar a população com essas três conquistas numa só reforma.