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Reforma com seriedade

Em vez de fatiar a reforma tributária, é bom seguir o plano do relator

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Por Notas & Informações
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Para crescer, competir e criar empregos e bem-estar, a economia brasileira precisa de impostos mais funcionais e mais justos, e para isso será necessária uma reforma ampla e ambiciosa. O Brasil tem uma das piores tributações do mundo e o peso dos encargos é apenas um dos problemas. Mas uma reforma fatiada, como propõem a equipe econômica e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), muito dificilmente produzirá efeito relevante. O rumo para uma boa revisão do sistema está disponível, no entanto, desde a semana passada, quando o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) apresentou seu relatório à Comissão Mista de Reforma Tributária.

Simplificação é a marca mais visível da proposta do relator, construída a partir de três projetos em tramitação no Congresso. O novo desenho inclui a substituição de cinco encargos por um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Serão substituídos três tributos federais (PIS, Cofins e IPI), um estadual (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS) e um municipal (ISS). A cobrança ocorrerá no destino e ainda será preciso regular a repartição da receita entre União, Estados, Distrito Federal e municípios.

Com essa unificação, será eliminada uma das estranhas peculiaridades do sistema brasileiro, a competência estadual em relação ao principal tributo sobre o valor agregado, o ICMS. Na Europa, onde esse tipo de imposto foi inicialmente implantado, a competência sempre foi do poder central, com regras para divisão do bolo. Eliminada essa jabuticaba, o sistema se tornará mais simples e mais ordenado, sem espaço para as 27 legislações ainda possibilitadas pelo ICMS.

A grande reforma, com a unificação de tributos, seria o tronco das mudanças. A partir desse tronco seria necessário estabelecer regras complementares, como detalhes de cobrança e de repartição da receita, eliminação de isenções e mitigação de problemas distributivos.

Mesmo com diferenciação de produtos da cesta básica, o ICMS tem peso desproporcional sobre os consumidores de renda baixa ou média baixa. Esse peso aumentará, se isenções forem eliminadas. Para evitar maior custo para os mais pobres, um problema reconhecido pelo relator, será preciso modular a incidência do IBS ou buscar compensação por meio de transferência de renda.

De toda forma, o caráter regressivo do sistema brasileiro, muito dependente de tributos indiretos, é amplamente reconhecido. O relator Aguinaldo Ribeiro mencionou uma possível diminuição, no futuro, da tributação sobre o consumo, adotando-se como compensação um aumento de encargos sobre o patrimônio. Não se tem dado muita atenção, nos debates sobre a reforma, à tributação sobre a renda. Já se admite amplamente a conveniência de aumentar o imposto sobre dividendos, mas como forma de compensar uma redução, amplamente defensável, do encargo incidente sobre o lucro empresarial. Há espaço para uma discussão mais ampla sobre os impostos diretos.

Diante do texto produzido pelo deputado Aguinaldo Ribeiro, tem pouco sentido continuar dando atenção ao projeto de fusão do PIS e da Cofins, apresentado há meses pela equipe econômica. É quase grotesco usar a expressão “reforma tributária” para qualificar essa proposta governamental. Mas o presidente da Câmara tem defendido prioridade para a votação desse projeto. Seria a etapa inicial da grande transformação – mas haveria, mesmo, etapas seguintes? Isso parece muito improvável, até pela aproximação do período eleitoral. Além disso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, nunca se mostrou muito interessado numa renovação ambiciosa do sistema tributário. Além da fusão do PIS e da Cofins, ele se limitou, quase sempre, a defender a desoneração da folha de pessoal e a recriação da aberrante CPMF.

Para desemperrar a economia e tornar os impostos mais equitativos, será preciso buscar objetivos mais amplos e discutir muito mais seriamente a funcionalidade do sistema e seus efeitos distributivos. O relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro, apoiado pelo presidente do Senado, é um bom ponto de partida.