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Reformismo frágil

Nada garante que o próximo presidente da Câmara terá a mesma desenvoltura que Maia ou, principalmente, a mesma firmeza na articulação do apoio às reformas

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Por Notas e Informações
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O mandato do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), termina no dia 31 de janeiro de 2021. Salvo manobras de última hora para ignorar a Constituição, que impede uma nova recondução de Maia, o deputado fluminense terá de entregar a outro colega a função de comandar a agenda legislativa. Não está claro, a esta altura, se o futuro substituto de Maia será capaz de conduzir o extenso e desgastante programa de reformas – cuja tramitação legislativa é em geral lenta –, sem as quais não será superada a crise que está fazendo o País regredir décadas.

Não se trata aqui, enfatize-se, de defender casuísmos para permitir a continuidade de Rodrigo Maia no cargo, mas de destacar a aparente ausência de quadros políticos competentes para o desafio de tocar as reformas. Pode até ser que o próximo presidente da Câmara se revele à altura dessa tarefa, mas nenhum dos nomes que se cogitaram até aqui inspira otimismo.

Essa dificuldade é reflexo de uma eleição que, malgrado tenha promovido saudável renovação parlamentar, o fez sob o espírito do repúdio à própria política. Ou seja, muitos eleitores escolheram, entre os candidatos, aqueles que prometiam arruinar o establishment político, ao qual se atribuíram todas as desgraças do País. Nessa toada, elegeu-se um número considerável de deputados de primeira viagem sem qualquer vínculo sólido com partidos tradicionais. O exemplo mais gritante disso foi o PSL, partido de aluguel que saltou de 8 para 52 deputados ao servir de veículo para o bolsonarismo – cuja essência é o antagonismo à chamada “velha política”, entendida como essencialmente corrupta.

O problema é que, passada a eleição, os parlamentares precisam fazer política, seja velha ou nova. Todas as grandes demandas da sociedade passam pelo Congresso, razão pela qual os parlamentares são chamados a discutir e votar matérias de amplo alcance, ainda mais no momento em que estão em pauta complexas reformas estruturais. Para isso, muitos deputados precisam ser orientados pelos líderes de seus partidos, que por sua vez atuam conforme o posicionamento do Executivo – seja alinhando-se aos interesses do Palácio do Planalto, seja opondo-se a eles.

Quando Jair Bolsonaro deliberadamente se exclui dessa equação, ou seja, quando sinaliza que não fará qualquer esforço para convencer parlamentares e arregimentar votos para a aprovação de seus projetos – como se nem mesmo o presidente da República acreditasse de fato nas reformas –, os partidos e deputados que poderiam apoiar o governo ficam perdidos e dispersos.

Foi o que se verificou desde o início do mandato de Jair Bolsonaro, há cerca de um ano. Bolsonaro ausentou-se da arena legislativa, criando um exótico presidencialismo sem presidente. Abriu-se então um perigoso vácuo de poder, em que o chefe do Executivo se recusou a usar o peso de seu cargo para influenciar os debates do Congresso, tudo isso num momento decisivo para o País.

Diante da óbvia constatação de que esse distanciamento de Jair Bolsonaro se deu menos em razão de suas convicções ideológicas e mais por sua completa falta de traquejo para governar, o que poderia ocasionar uma grave crise, as lideranças do Congresso urdiram a instalação de um “parlamentarismo branco”.

Graças a uma conjunção fortuita de fatores, coube a um parlamentar comprometido com as reformas, Rodrigo Maia, a tarefa de ocupar o espaço deixado pelo presidente da República e de ser, na prática, o “primeiro-ministro”. Foi essa circunstância que deu à atual legislatura sua feição “reformista”. Nada garante que o próximo presidente da Câmara terá a mesma desenvoltura ou, principalmente, a mesma firmeza na articulação do apoio às reformas.

A única certeza é que o presidente Jair Bolsonaro continuará olímpico em relação às reformas, pois sua preocupação, desde sempre, é evitar o desgaste político para manter sua popularidade com vista à reeleição em 2022. E não há nada mais desgastante do que mexer com impostos, retirar privilégios de funcionários públicos e alterar a estrutura do Estado para fazê-lo caber no orçamento.