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Retomada na incerteza global

Uma face de mulher com máscara ilustra a capa do relatório da OCDE. Nenhum termo econômico aparece no título: “Coronavírus: vivendo com a incerteza”

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Por Notas & Informações
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A reação começou, os estímulos funcionaram e a economia global deve encolher 4,5% neste ano, em vez dos 6% estimados há três meses, segundo as novas projeções da OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. No Brasil o Produto Interno Bruto (PIB) deve ser 6,5% menor que o de 2019. A perda seria de 7,4%, de acordo com a avaliação anterior, na hipótese de um único surto de covid-19. O quadro pode ser menos assustador, mas a grande mensagem ainda é de cautela. Uma face de mulher com máscara branca - médica ou enfermeira - ilustra a capa do relatório. Nenhum termo econômico aparece no título geral: Coronavírus: vivendo com a incerteza.

Se a recuperação continuar sem novos problemas, a economia mundial deverá crescer 5% em 2021. A estimativa de junho indicava 5,2%. Confirmada a nova projeção, a renda global no fim do próximo ano será US$ 7 trilhões menor do que seria se os cálculos de novembro de 2019 estivessem corretos. O mundo terá perdido o equivalente à soma das produções de um ano da França e da Alemanha.

“No meio desta incerteza sem precedente, sabemos que o mundo será muito mais pobre do que seria sem o vírus”, escreveu a economista-chefe da OCDE, Laurence Boone. Na hipótese mais benigna, com uma vacina prevista para breve e maior confiança entre empresários e consumidores, a perda poderá ficar em US$ 4 trilhões. No extremo oposto, se as expectativas desandarem, a perda até o fim de 2021 poderá chegar a US$ 11 trilhões.

Mas algum aprendizado sobrou do segundo trimestre de 2020, quando o PIB global despencou 7,8% em relação ao primeiro. A queda teria sido muito maior, escreveu Laurence Boone, sem as políticas emergenciais implantadas em todo o mundo - grandes estímulos ao crédito, socorro emergencial aos mais vulneráveis, tréguas na cobrança de impostos e medidas de sustentação do emprego e de apoio a empresas.

A queda de 7,8% foi sem precedente em períodos de paz, mas as políticas funcionaram e a retomada começou. Políticas continuarão fazendo muita diferença na próxima etapa, no meio de tanta incerteza, e ainda será preciso apoiar os grupos mais vulneráveis, segundo a avaliação da OCDE.

A dívida pública aumentou em todo o mundo, com alta equivalente a cerca de 15 pontos de porcentagem no conjunto da OCDE, entidade formada por 37 países desenvolvidos e emergentes. Mas, ainda assim, é cedo, na avaliação dos economistas da organização, para apertar as finanças públicas. É preciso evitar o erro cometido depois da crise financeira de 2008-2009, quando a retirada prematura dos incentivos prejudicou a recuperação. Mas será preciso, segundo o relatório, rever e redesenhar as políticas para facilitar, quando necessário, a reconfiguração econômica.

Como tem ocorrido em várias ocasiões, nos últimos dez anos, o caso brasileiro parece encaixar-se com dificuldade no quadro das prescrições políticas. Quando defendem a manutenção de políticas de estímulo, economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) costumam estabelecer uma diferença entre países com e sem espaço fiscal, com e sem condições para afrouxamento monetário. Não se encontra uma distinção tão clara no relatório da OCDE, mas a situação se repete. No Brasil, as finanças governamentais iam muito mal antes do coronavírus e a dívida pública era considerada muito alta para um país emergente. Em dezembro essa dívida poderá estar próxima de 100% do PIB, uns 20 pontos acima do limite fixado como objetivo pelo governo.

O mercado concedeu trégua ao governo para as ações emergenciais, mas esse benefício deverá acabar no fim do ano. De fato, sinais de incerteza já se multiplicam, com efeitos visíveis na bolsa e no câmbio. Será preciso reafirmar, de forma crível, o compromisso com a responsabilidade fiscal. Mas também será necessário planejar a sustentação da retomada. A equipe do presidente Jair Bolsonaro tem-se mostrado incapaz de cuidar de qualquer dos dois itens, o compromisso fiscal e as medidas para sustentar a recuperação. Mas precisa, vejam só, cuidar dos dois.