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Risco global de recessão com vírus

Governos agem para reanimar a economia, mas a prioridade ainda é conter a ação do vírus

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Por Notas & Informações
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O pavor de uma recessão, desta vez com a mistura de doença, morte e desemprego, continua sacudindo os mercados, enquanto governos e bancos centrais anunciam operações de socorro multibilionárias, tentando evitar uma quebradeira pior que a da crise de 2008. A palavra temida foi usada pelo presidente Donald Trump, chefe de governo da maior economia do mundo, quando ele admitiu, em público, o risco de uma recessão nos Estados Unidos. Mas o desastre pode ser muito mais amplo. “Podemos chegar efetivamente a uma recessão global”, disse o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, numa entrevista à Rádio CBN. “Em alguns mercados”, acrescentou, “certamente chegaremos, mas em termos globais é mais difícil dizer.” Se entre esses mercados estiverem alguns dos maiores do mundo, o contágio, é fácil concluir, será tão veloz e difuso quanto o do coronavírus.

O risco de crescimento zero ou de contração econômica no Brasil já está nos cenários de grandes bancos, consultorias e instituições de pesquisa, como assinalou o Estado. As possibilidades de expansão igual ou superior a 2% já sumiram. Pelas novas contas do Itaú Asset, por exemplo, o Produto Interno Bruto (PIB) poderá encolher 0,3% neste ano. As estimativas do Credit Suisse incluem retração de 0,1% no primeiro trimestre e de 1,6% no segundo, com o resultado geral do ano equilibrado em 0%. A LCA Consultores aponta como provável um resultado negativo de 0,4% em 2020. Pelo cálculo anterior deveria haver uma expansão de 1,7%.

Várias instituições continuaram, ontem, divulgando novas projeções, sempre com taxas de crescimento menores que aquelas esperadas há pouco tempo. Nas estimativas mais favoráveis o crescimento indicado para 2020 bateu em 1%, número próximo dos alcançados nos três anos anteriores.

Negativo, nulo ou apenas ligeiramente positivo, o desempenho brasileiro será em grande parte determinado, neste ano, pela retração dos negócios na maior parte do mundo. Também afetada pelo coronavírus, a economia argentina continuará muito fraca. Isso limitará as exportações brasileiras de veículos. Vendas para outros países também deverão refletir a retração global da demanda. A crise chinesa deverá produzir forte impacto nos preços de mercadorias do agronegócio e de minérios, um efeito já sensível nas últimas semanas.

Na China, a produção industrial no primeiro bimestre caiu 13,5% em relação à de janeiro e fevereiro de 2019, segundo os últimos dados. Comparações semelhantes apontaram queda de 20,5% nas vendas do comércio varejista e de 34,7% nas vendas de imóveis. Apesar de sinais de recuperação, o primeiro trimestre está perdido e há quem estime contração econômica em todo o primeiro semestre. Meio ano de mau desempenho na segunda maior economia será suficiente para causar estragos em todo o mundo.

O risco de recessão na Europa foi admitido pela Comissão Europeia na sexta-feira passada. Em vez do crescimento de 1,7%, anteriormente estimado, o bloco poderá fechar o ano com uma contração econômica próxima de 1%, segundo informe divulgado no dia 13.

Nenhuma dessas projeções é uma condenação. Governos e bancos centrais de grandes economias iniciaram ações para contenção dos danos, como facilidades tributárias, gastos para defesa do emprego e das pessoas mais vulneráveis e crédito mais acessível.

No Ocidente a epidemia ainda avança e as ações defensivas, como a proibição de aglomerações, travam as vendas e a produção. Isso poderá limitar, por algum tempo, os efeitos das novas medidas econômicas, agora aplicadas também no Brasil. Mas as medidas acabarão funcionando, mesmo com alguma demora. Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro critica as precauções sanitárias, defende atividade econômica mais normal e menospreza o risco de contágios e mortes. Destoa dos demais governantes, incluídos alguns de seus ícones de direita, empenhados neste momento em proteger a vida. Sem essa defesa, qualquer recessão seria muito mais devastadora.