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Risco presente

Soluções para as barragens dependerão do Congresso e dos órgãos fiscalizadores. Ou seja, conviveremos com risco

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Por Notas & Informações
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Desastres como o ocorrido em Brumadinho, na semana passada, ou em Mariana, em 2015, estavam fadados a acontecer, tanto pela obsolescência e insegurança do método escolhido pela Vale para acondicionar os rejeitos da mineração - o chamado alteamento a montante, que a empresa decidiu abolir - como pela absoluta incapacidade do Estado para fiscalizar barragens como as da Mina do Córrego do Feijão e do Fundão. Na verdade, os laudos técnicos que atestavam a segurança de ambas as barragens mais pareciam simples declarações.

A Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão responsável pela fiscalização das barragens, dispõe de apenas 35 profissionais capacitados para vistoriar cerca de 790 barragens semelhantes àquelas que se romperam em Minas Gerais. Um conhecimento rudimentar de aritmética basta para chegar à conclusão de que, tal como está estruturado, o governo federal não é capaz de vistoriar as barragens com a diligência necessária para impedir a ocorrência de novas tragédias.

“Não dá para fazer nem uma fiscalização por ano em cada uma das barragens”, disse ao Estado o geólogo Paulo Ribeiro de Santana, da ANM. De acordo com o técnico, os 35 fiscais da agência reguladora não trabalham apenas vistoriando barragens de rejeitos. “Há outras atividades relacionadas à mineração, como fiscalização de minas, pesquisa mineral”, disse.

Na imensa maioria dos casos, o governo federal não desloca técnicos aos locais onde estão instaladas as barragens, e sim usa laudos produzidos pelas próprias mineradoras - ou por empresas contratadas por elas - para auditar a segurança das instalações. Nada há de ilegal nesta prática, é bom ressaltar. A Lei n.º 12.334/2010, que instituiu a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), prevê que a inspeção de segurança regular seja feita pela própria equipe de segurança da empresa responsável pela barragem. Já a chamada inspeção especial pode ficar a cargo de “equipe multidisciplinar de especialistas” contratada pela mineradora, devendo os relatórios resultantes “estar disponíveis ao órgão fiscalizador e à sociedade civil”.

As raras fiscalizações in loco só ocorrem quando há gritantes discrepâncias nos documentos apresentados pelas empresas, ou quando seguem o rodízio de vistorias dos 35 técnicos da ANM. “O corpo de funcionários é tão pequeno que eu, geólogo, respondo pela assessoria de comunicação (da ANM)”, disse Paulo Santana.

Esse modelo de fiscalização, também adotado em outros países, pode ser legal, mas não tem dado paz ao sono dos brasileiros, especialmente os que vivem no sopé dessas barragens. O desastre de Brumadinho deixa a impressão de haver um acordo tácito entre empresas mineradoras e o poder público que se sustenta, basicamente, na sorte. E, diante dos enormes riscos à vida que as barragens de rejeitos representam, é justamente com a sorte que não se deve contar.

Em abril do ano passado, um relatório da Agência Nacional de Águas (ANA) mostrou que das 24 mil barragens instaladas em todo o País, 10.330 - ou seja, cerca de 45% do total - foram instaladas sem licença ou concessão. Em português claro: são clandestinas. Em 2017, apenas 3% do total de barragens foram vistoriadas por algum órgão fiscalizador. Diante desses números, é simplesmente espantoso que tão poucas barragens rompam, de tempos em tempos.

O governo federal anunciou que irá fiscalizar neste ano 3.386 barragens classificadas como “de alto risco” ou que têm “grande possibilidade de dano”. Destas, 205 são de resíduos minerais e terão prioridade nas vistorias. Resta saber a mágica que será feita com os exíguos recursos de que dispõe para cumprir promessa tão arrojada.

A verdade é que soluções que, de fato, eliminem de vez a possibilidade de ocorrência de novas tragédias envolvendo barragens vão depender de uma revisão da legislação no Congresso e da reestruturação dos órgãos fiscalizadores. Ou seja, ainda conviveremos com o risco durante bom tempo.