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Rumo à OCDE, apesar de Bolsonaro

O Brasil ganhará um selo de qualidade, se completar o ingresso no clube dos países com bons valores econômicos e sociais

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Por Notas & Informações
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O ambicionado ingresso do Brasil no clube dos países avançados econômica e socialmente, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), poderá ser formalizado, se tudo correr bem, pelo próximo presidente da República. Conversações oficiais sobre as condições para a admissão poderão começar em breve. Convites para o início do processo foram enviados ao presidente Jair Bolsonaro e aos chefes de governo de mais dois países sul-americanos – Argentina e Peru – e três europeus – Bulgária, Croácia e Romênia. Ser admitido no clube equivale a receber um selo de qualidade, considerado importante para a atração de investimentos e para a integração no mercado internacional.

Discussões podem durar três ou quatro anos, a partir da abertura oficial. Mas o Brasil já avançou na adaptação aos padrões da organização e isso poderá resultar, a partir de agora, em algum ganho de tempo. Nenhum resultado, no entanto, está garantido. Mais de 20 comitês técnicos deverão avaliar o efetivo alinhamento do País aos valores e padrões da organização, segundo informe oficial distribuído na terça-feira.

O Brasil, segundo o Itamaraty, “está em plena consonância com os valores fundamentais da OCDE, (…) tais como a defesa dos princípios de livre mercado, o fortalecimento da democracia, a modernização econômica e a proteção do meio ambiente e dos direitos humanos”. Se essa “consonância” for julgada por pessoas familiarizadas com o dia a dia da política e da administração brasileiras, talvez a avaliação seja bem diferente daquela sugerida pelo Ministério das Relações Exteriores.

Ataques ao Poder Judiciário, declarações infundadas sobre fraudes eleitorais e ameaças de reprodução, no Brasil, da invasão do Congresso americano dificilmente caberiam numa pauta de “fortalecimento da democracia”. O desprezo à vida dos brasileiros e a indiferença diante das mortes, assim como a difusão de informações falsas sobre a pandemia e sobre seu enfrentamento, são incompatíveis com a “proteção dos direitos humanos”, a começar pelo direito à saúde, mencionado no artigo 6.º da Constituição.

Além disso, como afirmar um compromisso de proteção ambiental quando o presidente brasileiro é famoso por sua política favorável à devastação? Como insistir nessa afirmação, uma semana depois da edição de um decreto que facilita empreendimentos em cavernas, mesmo com “impactos negativos irreversíveis”?

O Brasil pode ter avançado na adoção de padrões valorizados pela OCDE e poderá avançar na conquista de outros, como a liberalização das operações financeiras, dos investimentos e do comércio internacional, mas continua devedor em outras áreas, como as dos direitos básicos, da proteção ambiental e do combate às mudanças do clima, citadas no informe da organização.

Além disso, pode-se até falar de retrocesso nos quesitos governança pública e esforço anticorrupção, também mencionados literalmente. A farra com as emendas do Orçamento, as pressões sobre órgãos de investigação e fiscalização e a tentativa de importação fraudulenta de vacinas são episódios bem conhecidos. Desmandos maiores foram dificultados ou impedidos por denúncias da imprensa, por protestos de organizações civis e pela intervenção do Poder Judiciário. As instituições funcionam, apesar da incompatibilidade entre Bolsonaro e os valores democráticos, mas a mobilização em defesa do Estado de Direito tem de ser permanente.

Um novo presidente, mais afeito às condições de um sistema de liberdades, direitos e limites constitucionais, poderá completar mais facilmente o ajuste aos valores econômicos, sociais e institucionais defendidos pela OCDE. Nenhum dos 38 países-membros desse clube é um exemplo de perfeição, mas o conjunto é compatível, claramente, com noções de modernização, inclusão social, abertura econômica e respeito a normas multilaterais. O ingresso na OCDE, rejeitado há anos pela administração petista, é um objetivo importante para um país em busca de progresso, de cooperação e de relações internacionais civilizadas.